Comandante Niltinho

Comandante Niltinho: O resgate !!!

Aeroporto de Bacacheri, em Curitiba, Paraná

 

Eu acho que na vida todos nós temos limites, e eu também os tinha! Quando voava, um deles era não transportar drogas, armas, fazer lançamento “de gente”, e outras coisas ainda mais cabeludas, o que era um tanto comum em nosso meio.

Isto fazia questão absoluta de não transgredir, e várias vezes tive que lutar contra a tentação. Apoiado pela formação familiar e religiosa, recebida de meus pais.

Certo dia estava voando lá pelas bandas da Bahia, fazendo da cidade de Posse a minha base, quando conheci um paranaense de apelido Japão, meio envolvido com coisas não recomendáveis!

Pediu-me que o levasse à Curitiba em meu avião, o que achei bastante estranho, pois era só ir até Brasília, pegar um jato, e em poucas horas estaria lá tranquilamente, sem falar na economia de tarifas.

“ – Japão, desembucha logo, afinal o que você esta querendo? Você sabe que tenho meus limites e assim sendo, é melhor você contar a verdade pois talvez eu possa ajudar.”

“ – Sabe o que é Niltinho? Eu estou com um probleminha familiar e estou com receio de lhe falar e voce recusar-me ajuda e, desta forma, eu ir tornando cada vez mais público cada vês eu estou tornando público o meu problema, o que não é nada bom!”

“ – O que é isso, Japão? Se não puder ajudar, pelo menos não vou atrapalhar.”

“ – Está bem, vou te contar! Meu irmão fugiu da penitenciária em Curitiba. Eu tenho que tirá-lo de lá. Isso tem que ser de avião pequeno, pois as rodoviárias, aeroportos e rodovias estão sendo vigiadas. Analisei bem a situação Niltinho, e só me apareceu esta opção: o avião! Vamos lá, qual é seu preço para tirar meu irmão de lá?”

Naquele momento pensei naquele velho ditado, “todo homem tem seu preço” e tinha chegado a hora de saber o meu.

“ – Calma Japão! Isto nós acertaremos depois, eu nem sei se vou ainda! E tem outra, e se não der certo? Como fica? Japão, eu vou pensar e amanhã dou-lhe a resposta.”

Fui dormir. Dizem que o melhor amigo do homem é o travesseiro e naquela noite conversei muito com ele, analizei os prós e contra, sem deixar de pensar no maldito dinheiro que poderia ganhar, e assim acabei passando a noite sem dormir direito.

No outro dia logo cedo, uma das primeiras pessoas que vi foi o Japão. Ele estava doido para saber minha resposta que, logicamente foi SIM! Sempre precisando de grana só poderia ser essa a minha resposta.

Após procurar uma pista não muito longe de Curitiba e discreta o suficiente para fazer o “RESGATE” sem aparecer muito, chegamos a conclusão que teria que ser no Aeroporto de Bacacheri.

Imaginem voces, que por aquelas bandas eu nunca tinha voado, não tinha noção de nada, informação só nas cartas aeronáuticas, e o vôo tinha que ser o mais sigiloso possível, pois o Japão queria esconde-lo justamente na cidade de Posse e ninguém poderia saber disto!

Marcamos o dia da decolagem para o dia seguinte, logo cedo. Abasteceríamos em Bauru, no Estado de São Paulo e lá eu faria um plano de voo para Curitiba com retorno no mesmo dia! Ficaríamos no Bacacheri apenas o tempo suficiente para abastecer e pegar a “ENCOMENDA”.

Para este voo ter um caráter mais ameno, o Japão convidou sua esposa e lá fomos nós três para a aventura!

Até Bauru a viagem foi uma maravilha, nivelado em 7.500 pés o tempo estava bom, vento de cauda e tinha hora em que o CZC passava dos 250 km por hora. Uma beleza!

A coisa começou a querer embananar, quando ultrapassamos os 30 minutos de vôo, com uma grande mudança no tempo!

Tive que passar por cima das camadas, que foram se fechando, até que entrei em voo por instrumento, imaginem vocês: eu sem habilitação para este tipo de voo, o avião muito menos, nem transponder tinha. E lá estava eu naquela situação!

Voltar atrás nem pensar, pois o esquema todo montado com hora marcada para tudo, o pouso, o tempo de espera, a decolagem, só me restava voar pra frente, e dar um jeito de pousar!

Nestas horas é que a gente vê do quanto é capaz, sem saber! Chamei a torre e informei que não tinha condições de pouso visual e solicitava uma vetoração (você passa para a torre a responsabilidade de colocar o avião na cabeceira da pista)

“ – Tudo bem CZC, acione transponder na 2567.”
– Negativo, respondi, não possuo transponder! (que azar só falta agora ele negar, pensei comigo!)
– Zulu Charles, faça então uma curva para direita e pegue 270 graus.”

Repeti a mensagem e fiz exatamente o que a Torre de Controle mandou e aguardei. O suor descia pela testa, as pernas tremiam, porém me mantive calmo pois tinha que confiar no controle. Lá fora não se via nada, somente nuvens! Pouco depois escuto:

“ – Charles Zulu Charles, faça uma curva para direita, pegue a proa 060 e desça para 3000 pés.”

Repeti o que ouvi, reduzi o motor e comecei a descida, até ai eu ia indo bem, quando o controle entrou novamente e disse:

“ – Zulu Charles já atingiu o visual? (sair do voo cego!)
– Não, respondi!
– Preste atenção: quando sair visual, você verá um Boeing da TAM cruzando na sua frente, tenha cuidado!”

Aí, meu amigo, danou tudo! Como não tinha transponder, o controle de terra não tinha a informação exata da altitude em que estava! Eu tinha consciência do perigo em provocar uma colisão, e fiquei com a impressão que iria bater no avião da TAM! E, o pior é que estava demorando muito para eu entrar em vôo visual, e aquela situação foi me dando um medo danado!

Quando sai das nuvens e entrei no visual, acalmei-me, e pedi para o Japão me ajudar a localizar o avião da TAM, que, não demorou muito, apareceu à nossa frente! Que susto! Íamos passar bem abaixo dele!

“ – Torre: Zulu Charles avistou o avião da TAM? Informe também se já avistou a pista á sua frente, se avistou prossiga com seu pouso visual!”

Que maravilha! Lá estava ela, bem à minha frente! E não é que o Controle de Terra conseguiu?

Estava justamente no eixo da pista e não me restou outra que não a obrigação de fazer aquele pouso “manteiga”, recebendo aplausos dos meus passageiros!”

Japão deve estar falando até hoje deste pouso, só que ele não sabia que foi a primeira vez que fiz um pouso por instrumento, e não foi sozinho, Heim?

Quando atingi o pátio de estacionamento, já me dirigi para o posto de abastecimento, afinal, teríamos que partir logo dali !

Mandei encher o tanque e fomos para a recepção, e, para nossa surpresa, a “encomenda” ainda não havia chegado, o que deixou o Japão impaciente!

Pedi-lhe calma e convidei-o a tomar um café. Pouco tempo depois, a ”encomenda” chegou. Ao voltar do banheiro, observei a ”encomenda” conversando com sua cunhada, e notei o quanto era diferente do irmão!

Elegante, vestido num blazer azul, sapatos de cromo alemão, muito bem engraxados, dava a impressão de ser um grande empresário.

Sua maneira de falar era tão convincente e tão agradável que quase esquecemos o motivo de ali estarmos pois, ninguém poderia supor que se tratava do maior gangster que já conheci na vida.

Tratei de sair daquele transe e fui logo pegando sua bagagem, e, pedindo ao grupo para que se apressassem, segui em direção do avião, pois tinha que fazer o plano e vôo, além de ter que tomar outras providências para a decolagem.

Com o Japão do meu lado (co-piloto), o irmão ficou sentado bem atrás de mim e a esposa do Japão atrás dele, numa posição em que, dificilmente avistaria seu rosto.

Solicitei autorização para táxi, que foi dada e a torre pediu para aguardar na interseção; chequei mais uma vez o avião e recebi autorização para decolagem, fui para a cabeceira da pista e quando fui iniciar a decolagem a torre me ordenou: Zulu Charles permaneça no solo!

Que susto levei! Até ali os procedimentos estavam normais, porém nunca havia recebido uma ordem como aquela, nunca tinha visto isto, de ficar parado no eixo da pista!

Meu amigo, eu gelei, pensando que haviam descoberto tudo e a policia já esta no aeroporto! Virei para o Japão e disse:

“ – Deu merda, alguma coisa deu errado, parar aqui não é normal, só resta duas coisas a fazer, decolar a revelia, ou seu irmão fugir daqui, é só eu abrir a porta do meu lado e ele sai!”

Estávamos todos tensos, sem saber o que fazer, um olhando para o outro, com a aeronave parada no eixo da pista, quando ouço aquela voz atrás de mim dizendo: ”mantenha-se calmo comandante”! Aquilo caiu como um gelo em cima de nós, a voz, era uma voz de comando e não deixou que eu tomasse nenhuma atitude que viesse a nos prejudicar! Passados alguns minutos, a torre entrou na fonia de novo:

“ – Zulu Charles liberado para decolagem!

Que alívio! Até hoje fiquei sem entender o que havia ocorrido mas, voltando à nossa aventura, já tínhamos a “mercadoria” em mãos e só me faltava entregá-la no destino combinado e foi aí que mudei os planos e disse:

“ – Japão, não vamos mais para Bauru pois, sabe-se lá se não vamos ter mais alguma surpresa? Vamos dormir em São José do Rio Preto! Que se dane o meu plano de voo.”

Chegamos em São José á tardinha, fomos para um hotel, fiquei hospedado no mesmo quarto com a “encomenda”, e foi ali que começou uma amizade que nunca vou esquecer!

Foi o primeiro bandido que conheci que só falava em Deus, na família, nunca ouvi de sua boca nada que demonstrasse ser um homem com a capacidade que tinha de matar e de destruir, coisa que já abandonou há tempos!

Anos mais tarde, fiquei sabendo que ele tinha sido treinado pela polícia e se tornara um dos homens mais preparados para ser um justiceiro, só que tinha se tornado muito perigoso e acabou sendo eliminado!

 
Comandante Niltinho
é piloto de garimpo!