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Polêmica sobre religião gera recuo da prefeitura para professores de Taubaté

Após a polêmica causada por uma circular emitida em fevereiro com orientações que visavam evitar o proselitismo religioso nas escolas municipais de Taubaté, a Secretaria de Educação expediu nova circular, na última quinta-feira (16), onde se tenta reduzir a repercussão negativa gerada, além das várias entrevistas concedidas pelo prefeito Saud, no mesmo sentido.

Assinada pela secretária de Educação, Vera Hilst, e pelo diretor de demandas processuais da pasta, Paulo de Tarso Cabral Costa Junior, a circular foi emitida após o Ministério Público receber uma denúncia anônima de que alunos da rede municipal estariam sendo obrigados a rezar durante atividades escolares.

Essa circular, expedida no primeiro dia do ano letivo, citava que a escola é um “legítimo lugar democrático que proíbe qualquer forma de proselitismo, doutrinamento, pregação, conversão, evangelização, catequese ou qualquer outra atitude que viole o dever de imparcialidade religiosa do Estado”, e que as unidades escolares “devem assegurar que em suas práticas diárias será respeitada a pluralidade, a diversidade e o caráter laico”.

A mensagem dizia ainda que “as diferentes formas de acolhimento dos estudantes, no início do período de aula, devem ser direcionadas com palavras de encorajamento e virtudes sem qualquer referência de caráter religioso”. Como o texto citava expressamente que não poderia ser usada “qualquer referência de caráter religioso”, o entendimento de parte dos professores foi de que entre as medidas que deveriam ser evitadas estavam o uso de expressões como ‘Deus te abençoe’ e orações como o Pai Nosso.

No mesmo dia da segunda circular, a Prefeitura publicou uma nota nas redes sociais, em que afirmou que “não foi emitida ordem impedindo manifestações de crença e de convicções pessoais para os docentes”, além de informar também, pelas redes sociais, que não emitiu “ordem proibindo que os professores orem o Pai Nosso ou desejem aos alunos a saudação ‘Deus te abençoe’”, e que “nunca aceitaria ou daria uma ordem dessa natureza”. “Quero esclarecer ainda que o Ministério Público, quando provocado, recomenda. Mas quem toma a decisão é o prefeito”, concluiu.

Antes da polêmica, no entanto, o próprio prefeito informou à Câmara que a primeira circular, de fevereiro, “visou o atendimento à recomendação do Ministério Público”.

Questionado sobre o fato de a primeira circular citar que “no início do período de aula” só deveriam ser usadas palavras “sem qualquer referência de caráter religioso” e o prefeito dizer depois que os professores poderiam orar com os alunos, o secretário afirmou que pode ter faltado clareza na mensagem interna expedida em fevereiro. “Talvez a frase não tenha ficado clara na redação”, disse. “Talvez poderia ter sido feito de forma mais clara, poderia ter sido evitado o desgaste político”, completou.

Apesar de a primeira circular orientar pelo uso de palavras “sem qualquer referência de caráter religioso”, o secretário afirmou que os professores poderão orar com os alunos em sala de aula. “Se o professor quer rezar um Pai Nosso, deve consultar a classe e dizer que ninguém é obrigado a se manifestar. Se algum aluno tiver uma fé diferente, ele terá a oportunidade de apresentar isso ao grupo”, disse. “Do ponto de vista jurídico, não existe proibição por parte do prefeito ou por parte da Prefeitura para que se professe determinada fé ou que o professor faça uma saudação [religiosa]. Isso vai da liberdade de crença de cada professor. O que não se pode é obrigar o aluno a seguir a fé do professor. E vai da habilidade do professor ensinar os alunos cristãos a respeitarem os alunos de outra religião”, concluiu.

Professoras da rede municipal que foram ouvidas pela reportagem sob a condição do anonimato disseram ter presenciado situações nas escolas que justificam a orientação contra o proselitismo religioso nas unidades. “No ano passado, em outra unidade em que eu trabalhava, a escola inteira fazia fila no pátio e todas as crianças rezavam o Pai Nosso”, disse uma professora. “Algumas escolas no início das aulas faziam fila e rezavam, e acho que isso também motivou a circular”, afirmou outra docente. “Infelizmente aqui no interior, em muitas escolas, ainda rezam [com os alunos]. Eu estranhei muito quando mudei para cá, porque isso já foi eliminado das escolas [em geral] faz anos, mas aqui não”, disse uma profissional que antes atuava na região metropolitana de São Paulo.

As professoras relataram ainda que, embora uma das circulares tenha sido expedida no início de fevereiro, muitas das docentes só tiveram conhecimento das mensagens internas na semana passada, após a polêmica sobre o orientação. “Antes rezavam com as crianças na hora do lanche, mas essa semana [semana passada] tiraram isso. E deve continuar sem”, relatou uma profissional. “Antes também rezavam nas salas, por exemplo. E agora não mais, só dizem ‘tenham um bom dia’, coisas assim”, completou.

As professoras disseram acreditar também que as circulares poderão ajudar a evitar atritos nas escolas. As docentes relataram pelo menos dois casos recentes nas unidades de ensino da rede municipal – um deles envolvendo um aluno espírita e outro uma estudante candomblecista; ambos teriam sido vítimas de intolerância religiosa.