NOTAM – Notificação ao Aeronavegante !!!
Notam, notificação ao aeronavegante, ou ainda, “notice to airmen”, são informações relevantes aos pilotos e operadores de aeronaves que são divulgadas periodicamente. Elas dizem respeito à inoperância de frequências de rádio ou auxílio à navegação aérea, interdição de pistas, áreas cujo sobrevoo estará proibido, obra em pátios de aeroportos, enfim, informações que o piloto deve declarar ciência antes de sair para um voo. Estas notificações são elaboradas e divulgadas pelos órgãos de controle de tráfego aéreo.
Pois bem, esta estória começa com um NOTAM, que infelizmente, não foi seguido pela administradora do aeroporto.
O voo, cujo horário de saída foi ajustado para se adequar a um Notam, era de Guarulhos para Fortaleza. O Notam dizia que a pista de Fortaleza estaria interditada das 07h15min às 09h15min por conta de obras na pista e como saímos um pouco atrasados, nosso estimado de pouso era para as 09h35min, portanto estávamos “tranquilos”. Acontece que chegando em Fortaleza recebemos a informação de que a pista só seria liberada pela administradora do aeroporto as 09h35min, portanto, 20 minutos após o horário informado no Notam. Já havia três aeronaves em espera e com isso seríamos o número 4 na sequência para pouso.
Havia nuvens de chuva sobre a cidade que avançavam para a área do aeroporto. Ao ser liberada a pista, as três primeiras aeronaves na sequência conseguiram o pouso, sendo que a terceira delas, sabe-se lá em que condições, já que a chuva se intensificava a cada minuto. Na nossa vez, estabilizados na aproximação final do procedimento de pouso, tivemos que descontinuar a descida, pois a chuva era intensa, sem condições de avistar a pista. Há ocasiões em que você está bem próximo da pista, e ao avistá-la, percebe que as condições (chuva forte, vento intenso de través etc.) não permitem um pouso seguro, mas, naquele dia, sequer avistamos a pista, a chuva era muito forte. Durante a arremetida ouvimos na frequência de rádio que havia uma aeronave (um “jatinho” particular) em emergência prosseguindo para o pouso. Este avião estava com princípio de fogo na cabine de comando! Que situação: após efetuar espera, ter que pousar sob chuva forte e com princípio de fogo na cabine não deve ser nada agradável. Deu certo para aquele avião, e nós seguimos gerenciando nosso voo.
Nossa alternativa inicial era Recife ou Natal, porém a espera que havíamos feito sobre Fortaleza comprometeu nossa reserva de combustível, além do quê, aquela parte do nordeste brasileiro também estava com muitas áreas de instabilidade e, portanto, sujeita a chuvas e trovoadas. Outras aeronaves ainda estavam em espera, já que após o pouso da aeronave em emergência, o aeroporto foi novamente interditado para que a administradora efetuasse uma vistoria na pista. Na cabine de comando a carga de trabalho estava elevada e uma decisão tinha que ser tomada: aguardar a melhoria e normalização de Fortaleza ou prosseguir de imediato para a alternativa? Na cabine de passageiros o clima não era bom, sendo que os comissários passavam informações básicas aos passageiros até que o comandante pudesse dar informações mais precisas. Diante do cenário, seguimos para Teresina onde o tempo era bom e estável, e foi somente ao iniciar a subida para o nível de cruzeiro que eu tive tempo de fazer um anúncio aos passageiros comentando sobre a nossa arremetida e que estávamos seguindo para o aeroporto de alternativa.
Na aviação, há muito tempo ouço que quando o comandante toma uma decisão, especialmente quando diz respeito a seguir para determinada alternativa, ele deve ser firme e seguir adiante. Eu concordo, mas também acredito que ele deve saber reavaliar suas decisões e ter coragem, e humildade, para voltar atrás e seguir em outra direção.
Foi o que aconteceu, pois no caminho para Teresina, ainda durante a subida, houve a melhora das condições de Fortaleza. Diminuímos a velocidade e, sempre de olho na quantidade de combustível nos tanques, fomos atrás de informações mais precisas. Efetuamos contato com a torre de controle de Fortaleza que nos informou que a chuva havia, de fato, diminuído de intensidade e que as nuvens aparentemente se afastavam cada vez mais da área do aeroporto. Já o controle de aproximação nos informou que a pista ainda estava interditada, mas que já estava prestes a ser liberada pra as aproximações, e que caso regressássemos seria previsto uma aproximação direta, sem qualquer espera. De posse destas informações, conversando e buscando a opinião sincera do copiloto, decidimos regressar a Fortaleza.
Mais uma vez deixei os comissários e passageiros a par da situação. E não demorou muito para que a Chefe de Equipe dos comissários me informasse que após o pouso seria necessário o pessoal da “limpeza pesada”, pois vários passageiros tinham passado mal.
Após mais um pouco de turbulência e debaixo de chuva leve, pousamos com segurança. Principalmente nestas situações, a caminho do estacionamento da aeronave, faço um último anúncio aos passageiros onde explico tudo que aconteceu. Disse que certamente não foi um voo agradável, mas procuramos manter a segurança sempre em primeiro lugar.
No desembarque, quando fico na porta me despedindo dos passageiros, um senhor me perguntou como ficaria a nossa situação se novamente a chuva aumentasse ou outra ocorrência interditasse a pista de Fortaleza. Este senhor seguiu em frente, talvez não quisesse saber a resposta. Bem, sempre temos que ter um “plano B”, e no caso seria ficar aguardando a normalização das condições de Fortaleza. Se uma segunda arremetida tivesse sido realizada (nestes anos todos de aviação comercial, nunca tive que arremeter duas vezes num mesmo voo), ainda tínhamos combustível para 50 minutos de voo, tempo insuficiente para alcançar outro aeroporto, mas suficiente para, de alguma maneira, a situação normalizar em Fortaleza. Além disso, se for para considerar o imponderável, naquela situação eu deveria considerar que o imponderável poderia acontecer também em Teresina, aonde chegaríamos com menos combustível nos tanques.
Após trinta minutos de “trânsito” em Fortaleza, seguimos de volta à Guarulhos, desta vez num voo bastante tranquilo, sem surpresas.
Comandante Beto Carvalho
é aviador e piloto dos grandes jatos