Há 70 anos, piloto quebrava a barreira som!!!
Era pouco mais de 6 da manhã quando o norte-americano Chuck Yeager foi lançado do compartimento de um B-29 Superfortress, o mesmo bombardeiro que realizou os ataques sobre Hiroshima e Nagasaki. E, como uma bomba, ele começou a cair, porque a “nave-mãe” estava muito devagar, e seu estranho aviãozinho, o Bell X-1, entrou em estol – perdeu sustentação por falta de velocidade.
Mas esse era um incidente que já havia acontecido, e o piloto usou a aceleração da breve queda para assumir novamente o comando. Ligou então os foguetes que propulsionavam a geringonça. A aceleração brutal colou seu corpo contra o assento. Era 14 de outubro de 1947, o dia em que o primeiro ser humano voou além da velocidade do som, saindo da Base Aérea de Edwards, na Califórnia. Nas palavras do próprio piloto, em seu livro Yeager: An Autobiography (“Voando nas Alturas”), ele “avançava em direção a um território desconhecido”.
E avançava rápido. Yeager não estava exagerando. Nenhum túnel de vento era capaz de reproduzir velocidades supersônicas, e o único jeito de averiguar era na prática. O Bell X-1 havia sido criado no ano anterior para testar a possibilidade do voo supersônico. Era um projeto quase simplório: tinha o formato de uma bala de metralhadora calibre .50, porque esse era um dos objetos que costumavam ir mais rápido que a velocidade do som de forma estável.
Ninguém sabia se o voo supersônico era possível – ou se alguém conseguiria sobreviver para contar a história. A velocidade do som, ou Mach 1, varia conforme temperatura e altitude. Quando um avião ganha velocidades transônicas, próximas da velocidade do som, passa por violenta e progressiva turbulência.
Há perda de controle e por vezes o avião simplesmente se desintegra. Inúmeros acidentes aconteceram na Segunda Guerra com aviões que mergulhavam para atacar o solo ou fugir de inimigos, ganhando velocidade transônica e se estatelando no chão.
Um ano antes da façanha de Yeager, o piloto inglês Geoffrey de Havilland Jr., herdeiro da companhia de aviação que levava seu sobrenome, havia morrido no Rio Tâmisa quando seu jato experimental atingiu Mach 0,9. Foi nessa época que a imprensa criou o termo “barreira do som”.
Acreditava-se que seria impossível para um avião controlado atingir essa velocidade – com o que muitos engenheiros aeronáuticos concordavam. “Havia o consenso entre aviadores e engenheiros, após a morte de Geoffrey de Havilland, que a velocidade do som era um absoluto, tal como a firmeza da Terra. A barreira do som era uma fazenda que você podia comprar no céu”, escreveu o jornalista americano Tom Wolfe. “Não sendo engenheiro, Yeager não acreditava que a ‘barreira’ existisse.” Yeager em pessoa, em entrevista à Aventuras na História, foi mais humilde: “Eu não sabia, mas meu trabalho era tentar”.
Organizado pela antecessora da Nasa, a Naca (National Advisory Comitee for Aeronautics), o projeto X-1 avançava a pequenos passos. E Yeager não foi o primeiro a tomar parte deles. O civil Chalmers Goodlin, piloto de testes da Bell, empresa que fez o avião, chegou a Mach 0,85. Até pedir demais: tentaria quebrar a barreira do som se recebesse 150 mil dólares (cerca de 1,5 milhão de dólares hoje).
O governo achou caro e chamou o capitão Chuck Yeager. Ele já era um ás da aviação, famoso por ter derrubado cinco aviões em uma só viagem – para ser chamado de ás, era preciso derrubar cinco aviões na carreira. Ser piloto de testes era participar da elite da elite, um espaço reservado a quem tinha, como registrou Wolfe, “a Coisa Certa” – além de um talento descomunal, era preciso uma indiferença inquebrantável à morte, temperada por certo apego à vida, suficiente para lutar contra o azar e não acabar carbonizado num cockpit semienterrado no solo. E Yeager era, segundo Wolfe, “O mais meritório de todos os possuidores da Coisa Certa”.
Yeager topou quebrar a barreira do som por seu salário regular. Começou pela velocidade em que Goodlin havia parado, após alguns voos para se habituar com o avião – onde pintou o nome Glamorous Glennis, como em seus aviões da Segunda Guerra, em homenagem à mulher.
O X-1 não tinha o desenho ideal para voar a velocidades transônicas ou supersônicas. Nos voos anteriores, o avião perdeu o controle ao se aproximar da velocidade do som. Foram diversas improvisações que permitiram que continuasse no ar.
Yeager havia dado um jeito de enfiar um capacete de couro, usado então no futebol americano, sob o capacete, para resistir quando as vibrações jogassem sua cabeça contra uma parte dura do cockpit. Para controlar o avião, ele e os engenheiros perceberam que era possível usar os compensadores, pequenas abas que ajudam a manter o avião em linha reta, em vez de leme, profundores e ailerons.
Se o avião ia no improviso, Yeager nem de longe estava em condições ideais: dois dias antes, ele e a mulher, Glennis, fizeram um passeio noturno a cavalo, após tomar algumas doses no Pancho’s, o bar favorito da base de Edwards. Trombou com um portão e caiu, quebrando duas costelas.
Ele sabia que, se procurasse um médico da base, ficaria confinado ao chão até se recuperar, e quem sabe um substituto levasse as honras em seu lugar. Por isso, foi se tratar em segredo com um veterinário. Chegando à base, percebeu que não conseguiria fechar a escotilha do avião com seu braço direito. Seu amigo, o engenheiro Jack Ridley, agiu como cúmplice e cortou um cabo de vassoura, que Chuck levou escondido. No compartimento de carga do B-29, ele usou o cabo para fechar a escotilha com a mão esquerda.
Depois de recuperar o controle do lançamento do bombardeiro, Yeager subiu até 42 mil pés (12 801 m) e ligou três dos quatro foguetes do X-1. O aviãozinho começou a chacoalhar enquanto a velocidade aumentava, até o velocímetro – apelidado de “machômetro”, pois a velocidade era em Mach – marcar 0,96.
Yeager chamou Ridley pelo rádio e pediu que anotasse que a turbulência havia cessado. Logo depois, uma segunda anotação: “Tem alguma coisa errada com este machômetro velho… Ele ficou meio doido”. A conversa foi então cortada por uma equipe de campo, informando um barulho de trovão. Era o estrondo sônico, que um avião causa ao acelerar para além da velocidade do som, ouvidos por todos menos Yeager: o avião anda tão rápido que seu próprio som não pode alcançá-lo. Yeager, de fato, experimentou um voo tranquilo. “Foi como furar uma gelatina”, escreveu. Ele voou 18 segundos a Mach 1,06 (1 126 km/h em sua altitude) e desligou os foguetes, planando até o solo.
Nesse anticlímax, começou uma nova era da aviação, que terminaria na conquista do espaço. Em 1953 foi lançado o F-100 Sabre, o primeiro caça supersônico. A Naca, agência responsável pelos testes, virou Nasa em 1958. Yeager não pôde comemorar abertamente, porque o comando da Aeronáutica preferiu manter a conquista em segredo.
A imprensa levou dois meses para dar a notícia, na revista Aviation Weekly. Após muitos boatos, o governo abriu o jogo, em junho de 1948. Yeager ganhou uma medalha do presidente Harry Truman e foi coroado “o homem mais rápido do mundo”. Para surpresa de seus fãs, em 1959, quando a Nasa anunciou seus primeiros astronautas, escolhidos entre pilotos da Marinha e Força Aérea, Yeager não estava na lista.
Por essa época, Yeager atuava em bases americanas na Europa. Em 1962, após ganhar seu diploma no Air War College, tornou-se comandante da Escola de Pilotos de Teste da Aeronáutica, onde voou no bizarríssimo M2-F1, um avião sem asas, e quase morreu ao se ejetar de um NF-104A, outro avião experimental, usado para treinar astronautas.
Depois disso, Yeager partiu para projetos mais tranquilos para seus padrões, como a Guerra do Vietnã – “dá na mesma”, segundo ele, que nunca deixou de se considerar um soldado. Entre testes e guerras, aposentou-se como general em 1975. Aos 89 anos, durante a comemoração do 65º aniversário do voo do X-1, pilotou um F-15 além da velocidade do som. O coração acelerou? perguntamos. “Não”, disse o velho general. “Nunca acelerou”.