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Fordlândia: o fracasso de Henry Ford na amazônia!!!

Como o projeto Fordlândia representou o auge do ‘paternalismo industrial’.  A história da Ford no país é centenária. A montadora foi a primeira a se instalar no país, em 1919. Na última segunda-feira, 11, anunciou sua despedida do Brasil, eis que deve virar importadora de carros de luxo e utilitários. Mas a relação da Ford com os brasileiros é ainda mais profunda: foi aqui que Henry Ford (1863-1947), seu fundador, sonhou grande. 

A empresa automobilística fundada por ele nos Estados Unidos já tinha 25 anos quando Ford inaugurou, em 1928, uma cidade no meio da Amazônia. Graças a um decreto do governo do Pará, aprovado no ano anterior, quase 15 mil km² do município de Aveiro foram cedidos, por concessão, para a Ford. Nascia ali a Fordlândia, um povoado artificial destinado a levar o “sonho americano” ao coração da floresta brasileira. Não só, é claro: a ideia era que o ponto fosse um polo para a extração de látex — matéria-prima importante para a indústria automobilística.

Projetado para abrigar, de forma gratuita, 10 mil habitantes — os empregados da companhia e seus familiares —, o local contava com uma estrutura invejável: hospitais, escolas, laboratório de análises clínicas, um departamento de pesquisas agrárias, casas com geladeira e até piscina pública. De acordo com o livro “Fordlândia: Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva”, do historiador norte-americano Greg Grandin, professor na Universidade de Yale (EUA), o empreendimento urbano de Ford nasceu “mais da frustração política na terra natal do que da necessidade de controlar mais uma matéria-prima no exterior”

O sonho fordista em terras brasileiras acabou em 1945, quando um decreto governamental determinou os termos de devolução das terras e as contrapartidas. Mas onde surgiu esse conceito? O historiador Diógenes Sousa, doutorando na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), explica ao TAB que a ideia por trás desses empreendimentos urbanos é favorecer “a dinâmica de manter os funcionários próximos à unidade fabril, economizando o tempo de deslocamento de suas residências até o local de trabalho e oferecendo uma infra-estrutura para estes e seus familiares”. Uma “company town” seria uma cidade-operária, localidade onde todos ou a maior parte dos estabelecimentos, da moradia aos espaços comuns, são de propriedade de uma empresa, a única entidade patronal. E quais as consequências disso?

Para Sousa, esse formato cria uma espécie de paternalismo industrial, já que o dono da fábrica ganha um status que vai além da atividade patronal”. Há relatos de que o conde Francesco Matarazzo, industrial ítalo-brasileiro que viveu entre 1854 e 1937, financiava a festa de casamento de vários funcionários e também era padrinho dos filhos deles, por exemplo, explica o historiador. “Outros exemplos são os empreendimentos urbanos construídos pela Cervejaria Quilmes, em Buenos Aires, e pela Companhia Antarctica Paulista, em São Paulo.” Por que não deu certo?

São muitos os motivos: de desentendimento entre os funcionários e desconfianças do governo brasileiro até os próprios rumos da empresa norte-americana, em processo de sucessão familiar — passando, é claro, pelas malsucedidas experiências com os seringais, em uma época em que a produção de látex já não era mais primazia brasileira. Quando foi acertada a saída da Ford, o governo federal indenizou a companhia em cerca de US$ 250 mil, como contrapartida por receber as benfeitorias ali realizadas.

O que aconteceu depois? Mesmo com o fim da Fordlândia, a empresa ainda tinha muito espaço para crescer em terras nacionais. “A indústria automobilística ganhou muito destaque após a Segunda Guerra Mundial, terminada em 1945, e se torna, com o perdão do trocadilho, o carro-chefe de uma política urbana e desenvolvimentista que privilegia e incentiva o uso do automóvel”, pontua Sousa. “Uma das características da política desenvolvimentista no Brasil era a ocupação do interior do país, com a abertura de diversas rodovias, ou seja, um caminho aberto para a Ford e outras montadoras se valerem da venda de seus automóveis e caminhões.”

Vargas e JK. Em estágios diferentes, essa ideia foi a tônica das gestões de dois presidentes: Getúlio Vargas (1882-1954), que governou de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954; e Juscelino Kubitschek (1902-1976), chefe do Executivo entre 1956 e 1961. “Vargas era o representante de uma ideia de industrialização, de criar outras opções econômicas”, explica ao TAB o historiador Sérgio Ribeiro Santos, coordenador do curso de História da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele trabalhava dentro de uma política de desenvolvimento nacional, investindo em indústrias de base, como as siderúrgicas. Mais tarde, Kubitschek encarna o papel de “modernizador do parque industrial brasileiro”, conforme define o historiador.

Qual o síntese disso tudo? “A Ford fez parte desse momento, junto a outras marcas, de trazer para o Brasil a produção, e não somente a importação dos automóveis. Era uma perspectiva nacional desenvolvimentista”, prossegue Santos. Com esse período de pouco mais de um século chegando ao fim, mais do que carros rodando por aí, a Ford também deixará lembranças — e gente sem trabalho. “Quando uma empresa desse porte sai do país, há de se pensar em uma série de questões. Passam pela memória afetiva de uma indústria com décadas de atividades no Brasil mas, principalmente, nas razões econômicas e políticas que motivaram a sua saída, o que certamente contribuirá para para o aumento substancial de desempregados”, lembra Sousa.

O sogro do editor chefe do taiadaweb, senhor Wilson Queiroz Gomes, foi nascido em Fordlândia, onde ficou até os seus 17 anos, oportunidade em que foi para Belém do Pará, de onde não mais saiu. Em 1982, nosso editor chefe visitou a localidade, que já apresentava sinais de absoluto abandono. Uma mancha escura nas margens do Rio Tapajós!