Ferrovias do Vale: a Dutra e a transformação da região !!!
Locomotiva da Ferrovia Rio-São Paulo na década de 70.
Em 1940, o Vale do Paraíba possuía 4% das fábricas têxteis brasileiras. Em Guaratinguetá, Taubaté, São José e Jacareí estavam as indústrias que trabalhavam com o produto a nível exportação. Neste período o café já fazia parte de um passado de riqueza, apenas isso. Estamos falando da fase industrial da região.
A rodovia já havia chegado ao Vale em 1928, com a inauguração da Washington Luiz, cortando a região a partir de Bananal, seguindo até Silveiras e partindo em direção a São Paulo. Trata-se da atual ‘Estrada Velha’, mas com o tráfego de carga ainda tímido perto do volume transportado pela Central do Brasil.
Foi a época em que toda a movimentação das cidades estava concentrada no centro, onde ficavam as estações. “A estação era o portal de entrada da cidade. O pessoal descia do trem, tinha um bar na estação. Alí a gente ia para conversar, paquerar. Muitos casais foram formados com o trem”, relata Dr. Hugo di Domenico, médico de 95 anos que reside até hoje em Taubaté.
Estação de Cruzeiro e Estação Aparecida.
Era o período de glamour da nova sociedade valeparaibana e de operação comercial em maior escala do transporte de passageiros pela Central do Brasil, com serviços de classes diferentes. “Tinha a litorina, o rápido. A estação ficava cheia e era esse movimento que distraía a gente. O tecido produzido nas indústrias de Taubaté era exportado e tudo ia de trem”, conta Juliana Lopes, ex-funcionária das empresas têxteis de Taubaté.
São José dos Campos e a ferrovia
O desenvolvimento de São José começa exatamente no período de inauguração da ferrovia Rio-São Paulo, mas esta história pouco se relaciona a partir de 1950, quando a cidade se apóia na Via Dutra para viver um “boom” de expansão, que persiste até hoje.
A linha férrea que corta a cidade teve o traçado modificado na década de 1920, para longe do centro da cidade, e em 1950 para uma região onde não haviam casas – e onde está até hoje. Tudo para não atrapalhar o desenvolvimento da área urbana. Decisão acertada: hoje São José é uma das poucas cidades do Vale onde o trânsito não para durante a passagem dos trens.
A ‘arrancada’ de São José dos Campos veio na década de 1950, com a chegada do Centro Técnico da Aeronáutica (CTA), do Instituto Técnico da Aeronáutica (ITA), das primeiras fábricas de tecnologia (entre elas, a Ericsson) e da construção da Rodovia Presidente Dutra.
Sobre as estações de São José que serviram à Central do Brasil, estas são de arquitetura simples. São 3 estações que hoje estão abandonadas: a principal, a Limoeiro e a Eugênio de Melo, que deve ser reformada após uma decisão judicial dada em setembro de 2011.
Vale, 1950
Nesta fase o Vale se divide economicamente. Enquanto a velha região do café investe na produção leiteira, Guaratinguetá e Taubaté seguem na indústria textil e São José dos Campos aposta na tecnologia. “Quando a Dutra é construída, as indústrias da região seguem esta rota e por isso observamos hoje que as cidades mais industrializadas são aquelas cortadas pela rodovia”, diz o economista Edson Trajano.
Em 1950 temos em operação cinco trechos ferroviários. Os mesmos desde 1920, ou seja: o setor ferroviário estava estagnado. Abaixo retratamos a situação de cada ferrovia nesta data.
A Central do Brasil segue servindo ao transporte de passageiros e ao de carga, já com novas locomotivas movidas à diesel. A Rede Sul Mineira operando o ramal que seguia para Minas Gerais.
Imagem da primeira locomotiva à diesel da Central do Brasil. Imagem: acervo César Sacco/ Railbuss |
A Estrada de Ferro Bananal serve ao transporte leiteiro e ao de passageiros. A Estrada de Ferro Campos do Jordão atua exclusivamente na área de turismo.
A Ferrovia Lorena-Piquete se dedica ao transporte de passageiros, à produção leiteira e aos interesses do Exército Brasileiro.
A indústria ferroviária no Vale
A proposta do governo Getúlio Vargas para baratear o custo das ferrovias foi a nacionalização da indústria ferroviária. Isso foi possível com a construção, em 1945, da Fábrica Nacional de Vagões (FNV) na cidade de Cruzeiro, nos galpões onde antes funcionavam as oficinas da Rede Sul-Mineira – que administrava o trem que partia de Cruzeiro pelo túnel da Serra da Mantiqueira.
Cruzeiro, aliás, foi elevada à cidade em 1901 e assumiu papel importante no cenário ferroviário nacional. Além da Central do Brasil, passavam pela cidade os trilhos da Rede Sul Mineira. “Foram os engenheiros ferroviários destas companhias que projetaram as ruas centrais da cidade – consideradas largas e modernas para a época”, explica Francisco Sodero.
A fábrica da FNV produziu quase toda a frota de vagões existente no Brasil na década de 50 e chegou a produzir ônibus. A empresa funcionou até a década de 1990, quando foi vendida. Hoje opera no local a Amsted-Maxxion, empresa privada que fabrica vagões e eixos ferroviários.
Uma segunda indústria ferroviária foi instalada na região já na década de 1960. A Mafersa era uma empresa privada, posteriormente estatizada, que se instalou em Caçapava. Suas antigas instalações hoje servem à MWL, empresa privada que produz eixos ferroviários.
A política de desvalorização do trem
O primeiro meio de transporte a ameaçar o trem na linha Rio-São Paulo não foi o ônibus, como muitos pensam. Foi o avião. A companhia brasileira Vasp estreou seu serviço aéreo em 1936 e realizou campanha maciça para popularizar a ponte aérea. Vale lembrar que, nesta época, a demanda de transporte a longa distância atendia, principalmente, as classes mais ricas.
A sinalização de que a rodovia seria uma forte concorrente veio um ano depois, quando o governo anunciou a criação de um fundo de incentivo ao uso das rodovias. O Fundo Rodoviário Nacional (FRN) surgiu em 1937, juntamente com o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER, órgão extinto em 2001).
Alguns acontecimentos entre 1936 e 1960 enfraqueceram o transporte ferroviário na região: a criação do FRN, a abertura da Rodovia Presidente Dutra, a criação da Petrobrás e a implantação de indústrias automobilísticas no país. A popularização do automóvel, inclusive, era uma das bandeiras do presidente Juscelino Kubitschek.
a) a ampliação de horários de ônibus entre Rio e São Paulo e a diminuição da demanda de passageiros do trem;
b) a mudança de rota dos viajantes, desenvolvendo São José dos Campos e outras cidades. O custo disso: estagnação das cidades de Bananal, São José do Barreiro e Silveiras, por onde passava a antiga Rio-São Paulo;
c) a ferrovia em segundo plano: a única expansão neste período foi a construção, em Taubaté, de um ramal de pouco mais de 3 quilômetros, entre a atual estação e a fábrica da Willys (atual Ford). O ramal seguia pelo bairro Estiva pela Estrada do Pinhão. Esse trecho foi desativado em 1990. A Prefeitura manteve no local uma antiga ponte que hoje faz o papel de ‘monumento’.
Outro ponto importante, citado por ferroviários, foi que a categoria representava um dos sindicatos mais fortes e influentes da época, o que contrariava o modelo de gestão dos militares, que assumiram o país na década de 1960. “Os grandes empresários são donos de empresas de ônibus. Então ele não tem interesse em colocar passageiro na ferrovia. Quer dizer, ele prefere o ônibus dele cheio do que o trem de passageiro rodando”, diz Reginaldo dos Santos, maquinista aposentado.
A Rede Ferroviária Federal
Ao mesmo tempo em que novas rodovias eram construídas em todo o país, o sistema ferroviário nacional era reestruturado. Em 1957 as ferrovias de Bananal, Piquete e a Central do Brasil passaram ao controle da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), estatal criada para unificar toda a administração das ferrovias do Brasil. Foi o início da popularização e da concorrência acirrada do transporte de passageiros.
A primeira vítima da Rede foi a Estrada de Ferro Bananal-Barra Mansa, desativada em 1963 sob a justificativa de alto custo de manutenção.
A Rede Ferroviária operou diversos serviços de passageiros entre Rio e São Paulo. O Expresso Cruzeiro do Sul, de 1929 a 1950, possuía dormitórios, banheiros, cozinha e carro restaurante. Os vagões foram fabricados nos Estados Unidos e em toda a composição viajavam 72 passageiros.
O “Cruzeiro do Sul” foi desativado com a chegada do “Santa Cruz”, no dia 29 de abril de 1950, aniversário da Central do Brasil. Eram em aço inox e climatizados. Eram duas composições, uma partindo do Rio e outra de São Paulo, sempre às 8 da manhã. A viagem levava 9 horas. Havia também horários noturnos equipados com carros-dormitório em determinados dias da semana.
Os “Santa Cruz” rodaram por 40 anos entre Rio e São Paulo, sendo que no decorrer do tempo a oferta de horários foi sendo reduzida. A última viagem de um trem Santa Cruz foi em 1990. Em 1994 houve uma tentativa de reativar este transporte através de uma iniciativa de empresários chamada de “Trem de Prata”. Não prosperou.
Lider de um movimento que pediu a volta do trem de passageiros para a região, Lidia Zappa, cresceu e viu a cidade de Cruzeiro se desenvolver pela ferrovia. “Eu fui até Aparecida abordar políticos, fui até São Paulo, conversei com o então governador Orestes Quércia, mas nada mudou. O trem é muito menos poluente, um transporte seguro e de primeiro mundo. O que acontece é que os trens foram sabotados. São os cartéis, há um movimento de sabotagem para empurrar o passageiro para o ônibus”, diz.
Quanto ao trem de carga, as indústrias têxteis não sobreviveram à década de 1970. Foi neste período que a Rio-São Paulo passou a servir quase que integralmente ao aço produzido em Volta Redonda (RJ) e que prossegue até hoje como principal produto transportado.
Lembra-se do começo deste texto, quando falávamos sobre as tecelagens? A CTI, de Taubaté, foi vendida em 1953 e novamente vendida na década de 1970 para o grupo Nova América, que faliu. A Tecelagem Parahyba, de São José, faliu. A tecelagem Nossa Senhora Aparecida, que ficava em Guaratinguetá, também faliu após sofrer um incêndio que destruiu todo o prédio da empresa.
Saudades dos velhos tempos: Cheguei a viajar muito de trem, pela Central do Brasil, tinha o trem expresso de primeira e segunda classe, o trem de açõ, muito luxuoso, a litorina e tinha o bacurau que era de uma classe só , composta com outros vagões de carga, cuja atrasava muito em virtude dos embarques de cargas nas estações.Isso sem falar no trem de baiano que não parava nas estações, ia direto do Rio a São Paulo, levando principalmente nordestinos migrantes.Nem nestes tempos de trafego intenso de trens tínhamos os entraves que temos hoje nas passagens de nível, como acontence em Caçapava.Haja paciência!