Antônio Carlos, filho de ex-combatente da 2ª Guerra Mundial, quer fundar um museu com as memórias do pai!!!
Com camiseta e máscara do Exército, Antônio Carlos Garofalo, 70, se considera um militar. E se orgulha disso. Desde os 9 anos, pegou gosto pela farda graças às histórias contadas pelo pai, Miguel Garofalo, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial. Antônio, mesmo, não seguiu carreira na área: foi dispensado do Exército e, aos 18, foi trabalhar numa companhia de seguros.
Fez essa vida por 28 anos, mas saiu para ser vice-presidente da Associação dos Ex-Combatentes de Santo André e ajudar o pai, que estava como presidente. Por ser filho de pracinha, tinha direito de assumir o cargo.
“Deixei minha vida para ajudá-lo e por amor ao militarismo.” A associação tem a finalidade de preservar a memória dos ex-combatentes da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e dar apoio aos familiares com documentos para aposentadoria e na parte jurídica. Hoje, 4 ex-combatentes que vivem em São Paulo são associados, além de 20 viúvas e alguns voluntários. No total, a organização tem 30 membros. Desde que foi trabalhar na associação como vice-presidente, em 2001, Antônio participava de eventos cívicos junto com o pai, como nos desfiles de 7 de Setembro em São Bernardo do Campo, Diadema e no Anhembi, em São Paulo. Os últimos eventos presenciais do grupo aconteceram em 2019 — a pandemia paralisou a programação, para evitar aglomerações. Em outubro de 2020, o pai de Kiko, Miguel Garofalo, deixou a presidência da associação por causa da idade avançada — estava com 99 anos. Houve eleição para escolher o novo presidente, e Kiko, como Antônio Carlos é conhecido, foi eleito. Ele é o segundo dos quatro filhos de Miguel Garofalo, e o único que tem desejo de preservar a memória do pai, que faleceu em junho de 2021.
Prédio verde e branco A associação é um prédio de dois andares, todo pintado de branco e verde. Bem espaçoso, o lugar tem dois salões de festas: o primeiro fica no térreo e tem capacidade para 100 pessoas. O segundo salão, para 250 pessoas, fica no andar de cima. Além disso, abriga uma biblioteca com livros sobre Exército e guerras, um museu militar, uma sala com manequins de uniformes de soldados — ao lado, um pequeno quadro descreve a vestimenta e a história. No pátio extenso, chamado Duque de Caxias, coqueiros e grama dividem espaço com um tanque de guerra M3A1 “Stuart 1942”, usado na Segunda Guerra Mundial e doado pelo Exército do Rio de Janeiro há cerca de 25 anos.
Um avião Neiva U32 e um canhão 47 mm também chamam atenção e foram doados pelo Exército da Bahia. E um busto em homenagem a Marechal Mascarenhas de Moraes. A relíquia de guerra é tombada pelo patrimônio histórico da cidade. O local tem o estilo das outras associações de São Paulo e Campinas com que o filho do ex-combatente mantém contato. Na sala da diretoria, Kiko apresenta as fotos dos membros, outro manequim com roupa de soldado, quadros e um banner com a foto de seu pai, aos 97 anos.
Uma pequena caixa de madeira guarda as medalhas do pai, inclusive a “medalha de sangue”, recebida quando retornou ao Brasil. Ferido na Batalha de Monte Castello por um por um estilhaço de granada, Miguel ficou internado em um hospital de Nápoles. Na caixa de papelão vão os diplomas. Kiko mantém a sala da diretoria fechada a chave para evitar o sumiço dos objetos. Dá expediente no local de segunda a sexta-feira das 9h às 11h e das 13h às 16h, junto com um segurança. Kiko fica no espaço para receber turistas e visitantes, e gosta de contar, entusiasmado, a memória dos brasileiros que foram à Europa lutar na guerra.
A vida do ex-combatente Miguel Garofalo nasceu em outubro de 1921, na cidade de Santo André. Filho de italianos, teve uma infância humilde. Começou a trabalhar na adolescência e aos 18 anos foi para fazer serviço militar. Em 1944, aos 22 anos, foi mandado de navio para lutar na Segunda Guerra Mundial. Depois de ficar internado em Nápoles por um ano, voltou para o Brasil, mas fez escala no Rio de Janeiro até a total recuperação. Chegou a São Paulo como soldado aposentado — não podia seguir no Exército após o ferimento. Em 1947, fora das atividades militares, foi trabalhar num escritório de contabilidade, constituiu família e teve quatro filhos. Cerca de 20 anos depois da guerra, em 1963, fundou a associação com mais 560 associados. O objetivo era abrigar ex-soldados. À época, o local tinha vários quartos para receber militares do interior de São Paulo e outros estados, sem residência fixa.
Com a pandemia, a associação ficou fechada por quase 1 ano. Retornou às atividades recentemente, mas os salões de festas, que antes recebiam eventos nos fins de semana, como palestras de militares, festas de aniversários e casamentos, continuam parados. O valor dos aluguéis dava um total de R$ 1.950 por fim de semana. Conseguiam pagar as contas e manutenções do local, que funciona sem fins lucrativos. A renda para manter o espaço e custear contas básicas como água e luz é escassa. As doações de comerciantes e voluntários, também tiveram uma diminuição, devido à crise sanitária. “Muitas vezes coloco dinheiro do meu bolso para honrar os compromissos”, diz Kiko. Junto da filha, teve a ideia de fazer uma vaquinha online com o nome “Não deixe a memória das vitórias de nossos heróis acabar”, em homenagem aos ex-combatentes. Arrecadaram R$ 480 dos R$ 26.283 necessários. A campanha prossegue.
Assim que passar a pandemia, Kiko quer voltar a fazer eventos nos salões de festas e atividades com militares. Quer montar uma sala em homenagem ao seu pai, com o nome “2°Tenente Miguel Garofalo”, com as fotos, medalhas e diplomas que recebeu quando voltou ao Brasil. Nesta sala, ele pretende preencher um armário de vidro com as medalhas, fotos, diplomas e uma réplica do uniforme usado usado na guerra. Ele teme que esses objetos possam se perder com o tempo. “Meu pai teve uma história muito bonita. Daqui a 30 anos, quero que isso permaneça para outras gerações. As histórias dos ex-combatentes não podem ficar esquecidas.”