Adianta intervenção militar???
Nada vai adiantar enquanto os brasileiros não entenderem que eles não são vítimas da sociedade, mas são parte da sociedade.
Olhei para a foto enviada por uma amiga e suspirei de desânimo. Tratava-se de uma fileira de bicicletas de aluguel, dessas que são postas na rua para serem usadas a baixo preço. Quase todas estavam mutiladas – as rodas haviam sido roubadas durante a noite. A foto, disse-me a amiga, foi tirada dias atrás, em uma via de Porto Alegre.
Fiquei genuinamente triste porque, momentos antes, vira cenas do metrô de São Paulo sendo depredado por “foliões”, de um supermercado do Rio sendo saqueado por um grupo de homens sem camisa que queriam cerveja, de arrastões nas praias cariocas, de turistas chorando porque foram espancados em Ipanema.
Nenhuma dessas ações foi patrocinada pelo crime organizado, razão da intervenção do Exército no Rio de Janeiro. Nada disso está na pauta de Temer, dos partidos, do Ministério da Justiça ou do futuro Ministério da Segurança Pública.
Mas isso é o Brasil.
O Brasil está se despedaçando, e não por acaso. Esse esfacelamento é consequência. Não consequência da pobreza, como alguns devem ter concluído. Há países muito mais pobres do que o Brasil, e muito mais pacíficos.
Isso é consequência da forma de pensar do brasileiro. Do que ele pensa do Estado, das outras pessoas com quem convive, da cidade em que vive e, sobretudo, do que ele pensa de si mesmo.
Isso é filosofia. E, quando falo em filosofia, não estou me referindo a um sistema de pensamento organizado, como quando Kant teorizava a respeito do que existe além da razão. Essa filosofia se forma na cabeça das pessoas com pequenos fragmentos de conceitos que outros expressam e, principalmente, com mensagens que elas recebem da sua realidade.
O que a vida no Brasil diz para os brasileiros?
O que significa viver no Brasil?
Quem observa o que está acontecendo conclui que o brasileiro é um povo de ladrões. Essa, inclusive, é a nossa fama no resto do mundo. No Uruguai, corre uma anedota que diz que o pior sul-americano seria aquele dotado da humildade dos argentinos, da alegria dos uruguaios e da honestidade dos brasileiros. É engraçado, mas não é verdadeiro.
Aqui mesmo, em Massachusetts, moram milhares de brasileiros. Trabalham duro, esforçam-se, formam famílias. São honestos. Nos Estados Unidos, os brasileiros cumprem regras, são educados, gentis e não diferem do comportamento de todos os outros que estão levando suas vidas por aqui. O brasileiro que, em Porto Alegre, rouba uma roda de bicicleta pública muda-se para os Estados Unidos e não ousa pisar no jardim de uma casa sem cerca.
Por que essa diferença?
Por que o homem que no Brasil é vândalo e cínico se transforma em cidadão ordeiro nos Estados Unidos ou na Europa?
Não foi ele que mudou. Foi o país. É o recado que lhe passa o lugar em que ele está.
No Exterior, o brasileiro imediatamente sabe que é responsável pelos seus atos. Ele sabe que não será tratado como coitadinho, e sim como um adulto consciente do que deve ou não fazer.
O governo pode botar o Exército inteiro nas ruas, como está acontecendo no Rio de Janeiro. Pode coalhar os bairros das capitais de polícia. Pode encher os presídios. Nada vai adiantar, enquanto os brasileiros não entenderem que eles não são vítimas da sociedade. Eles são parte da sociedade.