A revolução de 31 de março de 1964: não ao comunismo no Brasil
A reflexão sobre as origens do movimento de 31 de março de 1964 pode transformar-se em um infindável processo de “escavação histórica”. A viagem retrospectiva, habitualmente longa e inconclusa, remontaria à Revolução de 1930 ou, então, em passado mais recente, às crises políticas da década de 1950. Mas o ponto de partida imediato da conspiração foi, sem dúvida, a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. No entreato de 12 dias que separou a renúncia de Jânio e a posse de Jango estão presentes os atores e os principais indicadores das lutas sociais e políticas que seriam travadas no transcurso do governo Goulart.
A renúncia de Jânio Quadros, denunciada como uma típica manobra “bonapartista civil”, deixou claro que os anseios do renunciante eram, efetivamente, os de voltar ao poder por aclamação popular com respaldo das forças armadas. O presidente Jânio Quadros fez coincidir a data de sua renúncia com a viagem que o vice-presidente João Goulart fazia à União Soviética e à República Popular da China, em missão comercial. Esse fato seria considerado um agravante pelos ministros militares Odílio Denis, da Guerra, Sílvio Heck, da Marinha, e Gabriel Grün Moss, da Aeronáutica, que tentaram impor um veto à posse de Goulart. Mas o ciclo golpista não se completaria daquela vez. A mobilização popular que Jânio Quadros esperava para a sua volta triunfal ao governo ocorreu de fato, mas para assegurar a normalidade constitucional com a posse do vice-presidente.
Só o último capítulo
Raízes da crise que levou os militares ao poder em 1964 surgiram décadas antes
1935 – medo comunista
Em novembro de 1935 ocorre a Intentona Comunista, rebelião organizada pelo Partido Comunista Brasileiro. Em algumas capitais, como Rio e Natal, simpatizantes do partido tentam controlar quartéis e incentivar a população a derrubar o governo Getúlio Vargas. A rebelião é rapidamente derrotada, mas deixa uma herança: consolida em grande parte do Exército uma tradição de forte anticomunismo
1948 – Teoria perigosa
Em 1948, oficiais brasileiros que freqüentaram instituições militares americanas criam a Escola Superior de Guerra (ESG). Ela vira a sede do pensamento militar
anticomunista no Brasil, atraindo elites conservadoras do país. A ESG elabora uma doutrina de segurança nacional, princípios teóricos que servirão para justificar a intervenção dos militares em assuntos do governo em nome de supostos “interesses da pátria”
1954 – Ensaios golpistas
Entre 1951 e 1954, o governo nacionalista de Getúlio Vargas enfrenta feroz oposição de militares e líderes civis conservadores grupo mais alinhado com interesses americanos. Em agosto de 1954, as articulações para um golpe militar param após o suicídio de Getúlio. Novas suspeitas de golpe surgem em 1956, com o mesmo grupo conservador tentando, sem sucesso, impedir a posse do novo presidente eleito, Juscelino Kubitschek
1959 – Revolução numa ilha
O “perigo comunista” volta a ganhar destaque em 1959, quando uma revolução conduz Fidel Castro ao comando de Cuba. A ascensão de Fidel no Caribe traz o comunismo antes só difundido em governos na Europa e na Ásia próximo do Brasil, aumentando o medo dos conservadores em relação a políticos nacionalistas e de esquerda
1961 – Renúncia inesperada
Em 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros renuncia. Conservadores pressionam para que o vice, João Goulart (Jango), não assuma, pois ele é visto como um político de esquerda. Mas militares legalistas defendem a posse do vice. A saída é adotar o parlamentarismo, que diminui o poder de Jango
1963 – Jango ganha fôlego
Um plebiscito é realizado no dia 6 de janeiro de 1963 para que a população decida se o parlamentarismo é mesmo aceito como o novo sistema de governo ou se o país retorna ao presidencialismo. Por ampla margem, o eleitorado decide pelo retorno do regime presidencialista e Jango recupera plenos poderes
1964 (13 de março) – Guinada à esquerda
Mesmo fortalecido, Jango não tem apoio parlamentar para aprovar as “Reformas de Base”, seu principal projeto de governo, que incluía, entre outros pontos, a
nacionalização de empresas estrangeiras e a reforma agrária. Sem força, ele se alia à esquerda nacionalista. Em 13 de março, num grande comício na estação Central do Brasil, no Rio, Jango pede ao povo apoio às reformas
1964 (19 de março) – Reação da direita
Menos de uma semana após o comício de Jango no Rio, que reuniu cerca de 300 mil pessoas, os conservadores organizam uma passeata popular em resposta às alianças de Jango e seus projetos supostamente “comunistas”. No dia 19 de março, aproximadamente 500 mil pessoas participam em São Paulo da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, exigindo o fim do governo João Goulart
1964 (30 de março) – A gota dágua
Diante da resistência ao seu governo na cúpula das Forças Armadas, Jango se aproxima de militares de baixa patente, ficando ao lado deles em rebeliões no meio militar. Em 30 de março, Jango se encontra com sargentos da PM do Rio e se solidariza a eles. Oficiais graduados vêem no gesto uma ameaça à hierarquia militar. Era o que faltava para incentivar o golpe
1964 (31 de março) – O desfecho militar
Na madrugada de 31 de março para 1º de abril, uma rebelião contra o governo começa em Minas Gerais. Entre os líderes do movimento, destacam-se o governador mineiro Magalhães Pinto e o marechal Castello Branco, chefe do Estado-Maior do Exército. A rebelião é apoiada em outras regiões, por políticos conservadores e pela maioria das Forças Armadas. Jango é deposto e tem início o período militar que duraria até 1985