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A Crise e a Amizade!!!

Em tempos de crise cada um de nós vive pensando o que pode ser feito para afastar seus efeitos e ganhar uma graninha a mais, pois ela é sempre bem vinda.
Um dia deste meu amigo Pedrão, que está um pouco apertado com suas finanças me procurou para ver se eu não lhe emprestava uma ‘verbinha’, mas sem juros, avalista, chequinho ou promissória e, sobretudo, sem muita pressa de receber, e me contou a aventura que teve neste sentido e que tornou pior ainda a situação que já estava capenga, pois se entusiasmou pela idéia que teve, e sem qualquer avaliação iniciou se projeto e ‘deu com os burros n´água’.

Disse–me ele quanto projeto ao que o entusiasmou, que em seu dia-a-dia vê sempre pessoas que se apertam em filas de empresas de serviços públicos, tais como de água, de energia elétrica, de telefonia, de gás e outras mais que estão com suas contas já pagas nas mãos, mas enfrentam aquele calvário simplesmente para apresentarem as contas à concessionária para evitar que os serviços sejam suspensos por falta de pagamento.

Isto se faz necessário, pois hoje a maioria das pessoas sai bem cedo de casa e só volta no final da tarde e como pagaram suas contas com atraso correm o risco do concessionário dos serviços ir durante o dia até lá e suspender o fornecimento, pois ali não há ninguém para mostrar que a conta já está paga.

Nesta situação o amigo Pedrão, que é técnico em eletrônica, imaginou fazer um aparelho nesta área e colocá-lo perto dos medidores dos serviços cuja conta fora paga com atraso e assim que o funcionário viesse até o local para fazer seu trabalho de supressão o aparelhinho emitiria um sinal de voz de que ele não deveria fazer o ‘corte’, pois a conta já estava paga.
Seu entusiasmo foi grande e comentou com alguns de seus amigos de ‘buteco’ que tem o sugestivo nome de ‘Sem Lar’, o seu projeto e que foi de imediato aprovado por unanimidade, tendo alguns deles já feito a reserva da geringonça a ser produzida, eis que diversas vezes ocorrera com eles de chegarem a casa e os serviços públicos estarem suspensos ‘por falta de pagamento’, embora a conta já estivesse paga, mas que por não ter ninguém em casa para mostrar o comprovante, simplesmente o funcionário cumpria a ordem que lhe era dada e zapt com seu afiado alicate.

O tristeza ! Um deles, o Paulão, de pronto informou ao ‘inventor’ Pedrão que se interessaria pela aquisição do aparelho para água e gás, e que o do telefone e da energia elétrica não iria querer, pois nas vezes em que ocorreram cortes destes serviços, especialmente de luz em sua casa, sua vida, ao contrário que se pode pensar, mudou e para melhor.

Ante esta afirmação todos os que estavam no ‘Sem Lar’ largaram seus copos de cachaça, de cerveja, o taco de bilhar, tendo até mesmo o Mané, o dono do ‘buteco’ baixou o volume do rádio que acabava de tocar, coincidentemente, ‘O Ébrio’, do saudoso Vicente Celestino e iniciava a cantoria do Mato Grosso e Mathias com sua ‘Boate Azul’, e todos silenciaram para ouvir a explicação.

Paulão, com ar de autoridade de quem sabia o que estava falando, iniciou a explicação de sua escolha somente sobre os aparelhos para água e gás, assim: ‘Nas veiz que cortou a luz e o telefone de casa foi uma maravilha, pois a Neusa, que andava meio sumidona de mim, pois oceis sabe como é essa coisa de casamento de muitos ano e com pouca grana’, aqueles toquezinho mágico que eleva a moral da gente vai se rareando, agente vai ficano meio acabrunhado, pouco conversa, vai se distanciano, o que faiz agente vir aqui no ‘Sem Lar’ do nosso amigo Mané para esquecer esses desencontro e voltar mais aliviado pra casa, embora a minha Neuzinha, que é a mulher que eu amo tanto, não goste muito e sempre me dá uma bronquinha, mas que logo passa.

Um dia sai do trampo e passei aqui pra bater um papinho cós amigo, tomei um curtinho ‘rabo-de-galo’, tão curtinho quanto tava minha grana naqueles dia. Cheguei em casa e tava lá a minha Neuzinha chorano no portão, o que me assustou, e me feiz até apertá um pouco o passo pra chegar mais ligeiro nela e ela veio no meu encontro, se encostou no meu ombro e falou: ‘Paulão, eu tava acabando de tomar um banho quando senti que a água começou a ficar fria e não entendi o que era e quando sai, vi que o caminhão da elétrica tava se afastando daqui de casa e olhei pra cima e vi que tinham cortado nossa luz.’

Não tive alternativa, me fiz um pouco de comovido e disse a ela: fica triste não, vamo aproveitá pra sentá um pouco aqui na varanda, bate um papo e acertá nossa situação amorosa, pois tamo muito distante um do outro, o que oce acha da proposta ? Vi que ela não tava muito confortável com minha conversa, mais me deu um gostoso e meigo sorriso e me falô de uma forma muito agradável: ‘Paulo, – veja, ela até me chamo de Paulo ao contrário de Paulão como sempre faiz -, você não se importa em tomar um banho de água fria ?

E eu, pra manter a moral nas altura, de pronto respondi claro que não minha amada Neuzinha, e entramo de mão dada pra nossa casa sem luz e sem telefone. Fui pro banheiro tomei um banho daqueles que agente fala ‘banho de gato’, pois a noite tava fria, tal como a água, que graças a Deus os funcionário da empresa ainda não tinha ido lá em casa, pois essa num tinha sido paga, mais também não tava assustando muito pois o atraso era só de dez dia e nesse prazo os home não vem.

Oceis acredita que assim que sai do banho já percebi que a minha Neuzinha tinha aceitado minha proposta de nós sentá e conversá um pouco sobre nossa vida amorosa, tanto que ela tinha requentado um pouco de macarrão e uns bife que tinha sobrado do almoço e colocado até um restinho de ‘Sangue de Boi’ numa jarrinha, que tava a coisa mais chique. Deixa eu fazê aqui um parentes e pedi que oceis me perdoe pelo jeito eu tô falando, mas lá em casa as coisa, pelo que to passano pelo desemprego anda assim mesmo, tudo no ‘restinho’, mas não falta nada não, é de pouquinho em pouquinho, mas sempre tem.

Mais voltano no assunto: olhei bem, aqueles prato colocado na mesa, os talher ali ao lado de cada um, a jarrinha de ‘Sangue de Boi’ bem no meinho da mesa, que tava coberta por uma toalha arvinha arvinha como minha Neuzinha sempre mantêm lá em casa e ao lado da jarrinha uma vela acesa.

Assim tava chegano na sala minha Neuzinha se levantô e veio andano pro meu lado, ela tava com um sorriso maravilhoso no rosto, veio abrindo os braço, me deu um beijo no rosto e falou com a maior tranqüilidade, carinho, afeição e amor: ‘Meu Paulo, to imaginando que Deus fez isto pra nós, mesmo estando com a conta paga, que é pra nós realmente voltarmos a pensar em nossas vidas de marido e mulher, para sentarmos mais para conversar, andarmos pelas redondezas de mãos dadas e fazermos tudo aquilo que fazíamos quando ainda éramos namorados e noivos, pois lhe garanto que amo você do mesmo jeito que amava no momento em que eu ouvi você me falar o ‘sim’ para na Igrejinha de São Benedito, nosso Protetor, naquele 28 de dezembro que já se vai longe .”

Deixa eu fazê aqui outro parentes, não quero que oceis pense que eu to ficano fresco não, mas oceis perceberam que eu falei com as palavras da Neuzinha que são mais bem …. bem … sei lá como posso falar – organizadas e estudadas, o ajudou Julhinho, que é motorista de taxi, que também tomava um guaranazinho ali, pois ele não bebe para poder levar os bebuns para casa – isso mesmo, organizadas, estudadas e bonitas, como me ajudou o Julhinho.

Então amigos, nois dois, de mãos dadas fomo pra a mesa tão bem arrumadinha pela minha Neuzinha, sentamos ali, comemo aquele jantarzinho delicioso, bebemo aquele saboroso ‘Sangue de Boi’ saído da jarrinha branquinha que ganhamo no nosso casamento, e tudo isso como diz aquela chique Glorinha Gentil – Glorinha Kalil, corrigiu mais uma vez Julinho -, ‘a luz de vela’. O Paulão mais uma vez, pra não ficar por baixo emendou na observação do Julinho: ‘Ocê ta certo Julinho, é Glorinha Kalil mesmo o nome dela, mas poderia sê tamém ‘Glorinha Gentil’, pois ela é muito gente boa, pois fala dum jeito muito simples e sem qualquer grandeza para cima de nois, no que eu então afirmo que pra mim ela é a ‘Glorinha Kalil Gentil’, assim fica bom pra nois dois, significa que nois dois acertamo.

Eu e minha Neuzinha ficamo ali sentado mais de duas horas, conversamo de nossa vida, pois não tinha televisão e nem telefone pra enche nossa paciência e atrapalha esse bom momento, relembramo tudo de bom que a vida tinha dado pra nois dois junto, das viagens que fizemos quando eu tava bem de bolso, os encontro com os amigos no churrasquinho e, pra termina esse gostoso encontro oceis sabe que dançamos de rostinho coladinho, mesmo sem ter música, pois não tinha luz em casa, mas uma hora eu lembrava de uma música e outro ela e nois ficava imaginando as música que tocava muito no tempo de nosso namoro e noivado e dançamo um tempão lá.

Foi muito jóia ! O ambiente no ‘Sem Lar’ era um silencio total que, como diz o ditado, ‘dava pra ouvir mosca voar’ para escutar a história do Paulão, que ficou emocionado e parou de falar e todos que ali estavam deram um ‘viva’ pra ele. Ai o Paulão arrematou: “Meus amigo, depois disso de lá pra cá lá em casa tá tudo a mil maravilha e eu a Neuzinha se dano bem, se amando e vivendo muito feliz.

Então Pedrão, quando oce fizer o aparelhinho pode reservá pra mim um do gás e da água, que eu quero por perto do lugar onde o pessoal faiz a leitura, para quando eu pagá a conta atrasada e não tiver ninguém em casa ele avisá o ‘cortador’ que a conta já ta paga e ele não cortá, mas o da luz e do telefone eu não quero, pois se cortá novamente será muito bom, pois assim não vejo televisão e nem tenho telefone e ai eu posso renová aquela ‘jantar a luz de vela’ com a minha Neuzinha e continuá a sê com ela muito feliz.’

O Pedrão – o técnico eletrônico inventor, entusiasmado com a fala do Paulão, que pra Neuzinha, depois desse gostoso encontro, passou ser carinhosamente ‘Paulo’ -, partiu pra luta e investiu a graninha que tinha e fabricou muitos aparelhos e o volume de compra também foi proporcionalmente grande, eis que a novidade correu pela região, e até mesmo pelo estado e como muitos são os casos que ocorrem de pagar a conta atrasada e ter que ir levar na concessionária para evitar o ‘corte’, chegando a congestionar as linhas telefônicas e as redondezas da fabriqueta do inventor Pedrão.

Porém, Pedrão, na continuidade de sua conversa comigo, reiterando o pedido que havia sido desde o começo feito, de que lhe emprestasse uma graninha sem cheque, nota promissória, avalista, juros e principal e especialmente, sem qualquer pressa para vê-la de volta arrematou: ‘Meu aparelho fez e faz o maior sucesso, pois recebo muitos e-mail, cartas e telefonemas falando de sua funcionalidade e utilidade, porém, Brasilino só foi sucesso de venda, pois não recebi nenhum até agora, pois se as pessoas não têm dinheiro para pagar a conta de energia, a conta de luz, como se fala, vai ter para pagar meu aparelho que é mais caro que a própria tarifa ?

É por isto Brasilino que estou precisando dessa graninha, dessa sua ajuda para me recuperar e ver se consigo inventar um aparelho que faça sucesso e que me dê também dinheiro. Eu pensei, pensei, acreditei e entendi a situação do meu Amigo Pedrão e lhe fiz o empréstimo que ele precisava e não pedi avalista, chequinho e promissória de garantia, não cobrei juros e nem mesmo estou tendo pressa para receber, pois a amizade que me une a ele está acima destas coisinhas, pois o Pedrão é gente boa, gente nossa, e é realmente meu Amigo, com essa ‘letrona grande’ ai na frente.

Pedrão, que Deus te acompanhe e te ajude, pois você merece, mas deixe-me te pedir uma coisa: apareça sempre, pois gosto muito de você e te tê-lo como meu Amigo.

Brasilino Alves de Oliveira Neto, é acadêmico da ACL e contista do Taiadablog

3 comentários sobre “A Crise e a Amizade!!!

  • Confesso que quando soube que o Dr. Brasilino integrava a Academia de Letras de Caçapava, não entendi o porque, pois embora seja sua cliente jamais soube que o mesmo era poeta ou contista, mas depois de ver este texto confesso, novamente, que devo lhe pedir desculpas, pois li esta postagem e também ri muito com o personagem Pedrão e entrei em seu blog do Terra e do WordPress e vi ali poesias emocionantes. Merece também ser lida a “Oração do Advogado”. Parabéns D. Lourdes por ter escolhido o Dr. Brasilino para compor a Academia de Letras de Caçapava, pois um primoroso escritor.

  • Eu estou até agora chorando de rir com o Pedrão. Parabéns.

  • Legal o trabalho do Acadêmico Brasilino. Parabéns por me brindar com este leve e gracioso texto

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