A rota do Oriente !!!
Foi um grande acontecimento quando em 1968 a Varig inaugurou a linha para o Japão. Herdado da Real Aerovias, o voo era feito com o “moderno” Boeing 707, que antes de pousar no Japão fazia escalas em Lima, Los Angeles e Honolulu. Por se tratar de um voo muito longo, já naquela época a Varig criou um baseamento de tripulantes em Los Angeles. Enquanto o trecho do Brasil para os E.U.A e a volta era feito pelos tripulantes do Rio ou São Paulo, os tripulantes do baseamento faziam apenas a rota para o Japão. Pilotos, mecânicos de voo e comissários(as) se mudavam para California e lá moravam por períodos que podiam ir além de dois anos. Era uma grande oportunidade para os aeronautas que viviam uma experiência fantástica, além de poder ganhar um bom dinheiro a mais. Estes tripulantes recebiam seus salários depositados em moeda brasileira no Brasil, mais uma ajuda de custo para a moradia e as diárias de alimentação. Faziam um bom “pé-de-meia” e passeavam bastante. Muitos colegas de Varig, da minha geração, passaram parte da infância, adolescência ou juventude em Los Angeles, inclusive tirando as licenças de piloto por lá.
A partir de 1974, o voo não mais necessitou de escalas, podendo voar direto do Brasil para Los Angeles e depois para o Japão. Isto aconteceu com a incorporação do DC-10 à frota da Varig, que passou a fazer a rota do Japão, até que na década seguinte foi substituído pelo Jumbo 747. Em 1999 o Jumbo deixou de fazer parte da frota, e o voo passou a ser feito de MD-11 até 2005 quando a Varig encerrou esta linha.
O trecho LAX-NRT (indicatívo IATA para o aeroporto de Los Angeles e Narita, que atendia a cidade de Tokio) era feito em aproximadamente 12 horas de voo. Para fugir dos ventos contrários, a rota seguia em uma espécie de “arco” sobre o oceano, deixando a costa do Canadá, Alaska, Ilhas Aleutas, Russia e Coreias sempre ao lado direito. Já a volta era feita em uma “linha reta”, e com os fortes ventos que sopravam alinhados, o tempo de voo era de aproximadamente nove horas. Uma coisa interessante no trecho de volta, era que após três horas de voo, em noites de tempo bom, podiam ser observadas uma profusão de luzes em pleno Oceano Pacífico. Eram os pesqueiros japoneses que se concentravam em alto mar, dando a impressão de constituiram uma verdadeira cidade.
Havia dias da semana que o avião pousava em Narita, cujo aeroporto, assim como Guarulhos está para São Paulo, atendia à cidade de Tokio. Em outros dias o voo seguia para Nagoya, e de lá a tripulação seguia de trem bala ou mesmo de avião de outras empresas para Tokio/Narita, numa viagem de 45 minutos.
No 11 de setembro de 2001, no exato momento da derrubada das torres gêmeas, a Varig tinha dois aviões seguindo para LAX. O governo norte americano decretou o fechamento do espaço aéreo nacional, e os voos tiveram que ser desviados. O MD-11 que havia decolado do Brasil teve que pousar na Cidade do México e o que havia saído do Japão também recebeu instruções para alternar. Dizem que o Comandante do voo, ao saber que o sobrevoo do espaço aéreo norte americano estava proibido, quis seguir para o pouso no Havai! Não foi possível, e o regresso ao Japão foi necessário.
O 11 de setembro foi um duro golpe para o voo do Japão, pois a partir deste episódio as autoridades americanas passaram a exigir aos passageiros em trânsito o visto no passaporte. Mesmo que o passageiro não fosse parar nos EUA, o visto era necessário. Com isso, o trecho para o Japão começou a apresentar uma menor rentabilidade pois os passageiros começaram a seguir por rotas que passavam pela Europa. O baseamento em Los Angeles pouco a pouco foi ficando mais curto e menos vantajoso financeiramente, além disso, o trecho Brasil-Lax continuava a ter os voos lotados, dificultando o embarque dos familiares dos tripulantes que iam para o baseamento. Aquele baseamento longo deixou de existir e passou a ser temporário, de 3 ou 4 meses somente. O valor das diárias recebidas pelos tripulantes diminuiu significativamente, assim como a ajuda de custo referente à moradia. O tripulante podia escolher entre ficar no hotel, ou receber a quantia equivalente a hospedagem e cuidar da própria moradia. Muitos se cotizavam e alugavam uma casa nas proximidades do hotel.
Para diminuir ainda mais os custos, a Varig diminuiu do número de tripulantes baseados em Los Ângeles, e a maneira encontrada para suprir a quantidade necessária de tripulantes para realização dos voos para o Japão, foi criar uma programação de voo que logo ficou conhecida como “Empurra”. Metade da tripulação que saia de Brasil, após a chegada em LAX, retornava ao Brasil no dia seguinte. A outra metade, após o repouso, seguia para o Japão. Do Japão regressavam aos EUA e no dia seguinte para o Brasil. Trabalhava-se quatro dias, mas na verdade sete se passavam. Doze horas de fuso para lá com um regresso quase que imediato mexia muito com a cabeça e o organismo dos tripulantes. Alguns gostavam da programação, outros odiavam. Para os pilotos, fazer o “empurra” era um pouco menos difícil, já que eles trabalhavam sentados e o descanso à bordo, feito no “sarcófago” do avião, era não apenas melhor, mas também mais longo. Para os comissários e comissárias o tempo de descanso era bem mais curto e eram poucos os aviões que possuiam “sarcófago”, eles descansavam nos assentos da classe econômica.
Eu não cheguei a fazer o voo para o Japão, pois o baseamento curto não me interessou na época, e o “empurra” não veio na minha escala de voos quando estive no MD-11. Conversei com vários colegas que me contaram suas experiências nestes voos. Todos eram unânimes em afirmar que era uma programação muito longa e sacrificante, que não fazia bem para a cabeça e nem para o corpo. Mais adiante vou contar os motivos que faziam com que uns encarassem bem o “empurra” e outros não!
Comandante Beto Carvalho é aviador e piloto dos grandes jatos