Comandante Niltinho: O vôo de dorso !!!
Existem muitas maneiras de voar, e a mais normal e mais fácil, é reto horizontal, é assim que todo mundo voa, inclusive os pássaros! Nunca vi nenhum deles voando de dorso!
Meus amigos vocês não imaginem como é desconfortável ver a terra de cabeça para baixo e, pior ainda, se nunca passou por isto e não consegue imaginar o quanto é ruim, você tem a sensação de que vai morrer!
Vê a vida passar em frações de segundos e, é engraçado como vem à cabeça a imagem de seus pais com tamanha força, que chega a arrepiar!
Feliz daquele que sai com vida para contar sua historia, como eu neste momento!
Eu ainda nem sabia voar direito e muito menos meu irmão Milton, quando ele pediu emprestado meu avião, um Cardinal, aquele que aparece na historia, “O breve”, para voar em Cascavel, Paraná, e eu resolvi emprestar!
Hoje com a experiência que tenho com aviões, sinto um arrepio só em pensar o quanto fizemos de errado, arriscando nossas vidas e também daqueles que estavam conosco! Foi por Deus que não morremos! Será que outros pilotos fizeram o mesmo ? Meu Deus!
Como estava fazendo uma revisão no avião na cidade de Penápolis e exigi que me deixassem em Goiânia, ele arrumou um piloto, seu amigo de Campo Grande, e me garantiu que era muito bom piloto, sua família era muito rica e sempre tiveram vários aviões, que eu ficasse tranqüilo pois estaria em boas mãos!
Isto me deixou, de fato, tranqüilo, partindo do meu irmão, não deveria tem levado a serio, pois ele não entendia nada de avião, estávamos todos começando a entender do ramo, como ele teria a competência para avaliar um piloto? Hoje tenho meus critérios para julgar um piloto, mas se passaram muitos anos e adquiri razoável experiência!
Pois bem, no dia marcado o piloto chegou de Campo Grande com uma baita morena dizendo que era sua esposa, porém estava mais para garota de programa que propriamente esposa!
Rapaz, eu não tirava os olhos dela e cheguei até mesmo a perguntar se ela não tinha uma irmã!
Ele me pareceu muito simpático, conversava muito, sempre me dizendo de sua experiência na aviação, mais tarde vim, a saber, que muitos pilotos eram assim e esta experiência era mais imaginada do que realidade e sentia necessidade de transparecê-la, pois isto é que torna o piloto bom, não as escolas de aviação!
Partimos logo cedo no outro dia, céu de brigadeiro, ele sentou na esquerda, como todo comandante, e eu sentei a direita como co-piloto, e ela sentou logo atrás dele.
Como ele havia feito um vôo de adaptação no dia anterior, julguei que não haveria necessidade de informar mais nada a respeito do avião. E aquilo talvez fosse a causa de nosso sufoco, pois, se eu tivesse alertado que meu avião não possuía horizonte artificial, (instrumento que nos dá a altitude em relação ao horizonte que o avião se encontra), ele não teria voado por instrumento como voou, só se fosse um louco!
E lá íamo-nos todos alegres, ele parecia que estava em lua de mel, só meu benzinho para cá, meu benzinho para lá, e de vez em quando dava uma bicóquinha nela, e eu ali do lado morrendo de inveja!
Estávamos todos tão felizes, que não percebemos que a camada foi subindo, subindo, e quando vimos, já ia pelos 8.000 pés !
Só que, meus amigos, a camada fechou e estávamos bem tranqüilos sobre ela, céu de brigadeiro lá em cima! E abaixo de nós, como estaria? E eu botando fé no piloto! Porém aquilo foi me deixando intranqüilo, pois se até Goiânia permanecesse daquele jeito, como iríamos descer abaixo da camada, sem o horizonte artificial, sem nenhum buraco nas nuvens, para furar com segurança?
E se estivesse chovendo, como seria?
Fiquei esperando ele tirar uma carta da manga para dar um jeito naquilo, e nada! Talvez eu fosse mesmo ainda um manicaca (piloto que está aprendendo a voar), desconhecendo como seria fácil para ele, já que era um ás da aviação, segundo meu irmão Milton!
Chegou uma hora que não me segurei e perguntei:
“ – Comandante, estou ficando preocupado, pois estamos em cima desta camada há algum tempo e ela só subindo! Como vamos passar para baixo sem o Horizonte Artificial?”
Muito calmamente me respondeu:
“ – Isto é fácil, meu amigo! E botou o nariz do avião para baixo e só senti o avião ganhado velocidade, o barulho do motor aumentando, e aquilo foi me dando um desespero!
Comecei a sentir meu pescoço afundando tão forte, que quase não dei conta de me virar para esquerda e dar uma espiada no velocímetro! Rapaz, quando vi, já tínhamos atingido a faixa amarela e estávamos entrando na vermelha!
Neste momento pensei no Villela, irmão de um amigo, que havia morrido juntamente com toda sua família, inclusive a empregada, num 210 justamente como o que estávamos, pois a estrutura do avião não aguentou e ele desintegrou!
Naquele momento minha única reação foi esperar a morte. Com a vida passando em minha mente, chamei pela minha mãe, como não chamar? Pedi que me ajudasse sair daquela! E não é que ela ajudou mesmo?
De repente, meu “grande” piloto acordou do susto, parece que só ele é que sabia que sem o Horizonte Artificial, em poucos segundos se perde totalmente a posição em que se está voando!
Para mim estava reto e horizontal quando, na verdade, estávamos descendo em tal e espantosa velocidade que, se ele não tivesse puxado toda a manete para trás, diminuindo a velocidade, eu não estaria aqui para contar esta história, pois o avião teria também desintegrado, como aconteceu com meu amigo Roberto Villela.
Sem contar que nossa mocinha entrou em tamanho desespero, gritando com todas as suas forças, como as mulheres adoram fazer e aquilo deu um clima tão ruim, que até hoje não esqueço! Ficou gravado em minha memória para sempre!
Quando reduziu o motor e ficou voando sozinho, recuperou-se do mergulho e inacreditavelmente, estávamos justamente na base da camada, saindo no visual!
Que alegria senti! Enfim salvos, pois saímos com 3.000 pés , 1.000 pés acima do chão! Por muita sorte a camada não estava colada!
Só que minha alegria demorou pouco pois, como ninguém estava com a mão no manche, o avião foi subindo e entrou novamente na camada! Não vi mais nada novamente, só me dando conta de olhar para o velocímetro, que voltava a chegar na 60 milhas e aí meus amigos, vi a coisa feia!
Entrou em stol (quando o avião perde a sustentação e começa a cair) e girou para esquerda! Quando saímos novamente em visual, estávamos voando de dorso! Sabe lá o que é ver a terra de cabeça para baixo, e não saber o que tem que ser feito?
Lembrei-me novamente de minha finada mãezinha, refazendo meu pedido de ajuda e não é que ela acordou o ”bacana” com uns tapas, certamente, fazendo com que ele pegasse no manche, tirasse o avião do vôo de dorso e do mergulho do que estávamos, e voltamos a voar reto horizontal! Que alivio! Aí sim, tive consciência que não ia morrer!
O rosto dele estava branco, todo paralisado, suas mãos seguravam o manche como um peão pega no chifre de um boi: com tamanha força que achei que ele ia quebrar! Minha garganta estava seca, porém ainda deu para avisá-lo:
“ – Comandante, Goiânia fica para trás, dê uma olhada na bússola!”
Foi então que ele corrigiu a rota! Estávamos voltando, tontos com aquela situação, que nem notamos para que lado saímos.
Confesso que estas foram as únicas palavras que trocamos até chegarmos a Goiânia! Se tivesse uma mosca no avião, daria para ouvi-la voar, tal era o silencio. O vôo, para a bonitona, não tinha mais graça, de tão envergonhada pelo banzeiro que tinha feito, que não dando mais um pio!
O vôo ate Goiânia foi tranqüilo, com exceção do pouso pois meu amigo não reduzia o motor e acabamos quase varando a pista, parando na final, imaginem, numa pista de mais de 3.000 metros , e ele não quase não dava conta de pousar, acho que deve ter amarelado!
Amarramos o avião no pátio e fomos para o restaurante, tomar aquela cerveja geladinha e relaxar, pois estávamos precisando. Dali, o correto mesmo, seria ir a uma igreja e agradecer a Deus. Olhei bem para a cara do comandante e apostei que naquela noite, ele não daria conta da bacana!
Eu gostava de ficar no hotel São Conrado, ali na Rua Quatro, pertinho das Ruas Goiás e Tocantins, porque ele é bem central, bons apartamentos, controle de entrada de visitas bem discreto, só que, naquela noite, eu também ia passar batido. Sei lá se ia arriar no meio do caminho, não é?
O apartamento que nos ofereceram, tinha dois quartos conjugados e existia uma porta de ligação que dava bem em frente dos banheiros, sendo assim eu via pelo buraco da fechadura quem estaria entrando no banheiro.
Fomos jantar, e tomamos mais umas bebidas e foi aí que acabou voltando aquele bom humor do meu companheiro, que foi logo dizendo que aquilo que acabávamos de passar, não era nada comparável com que ele já havia passado, e assim acabou contando tantas lorotas, que me convenci mesmo que teria que aprender a voar direitinho, pois caso contrário ia acabar morrendo na mão daqueles doidos.
Quando voltei para o quarto, senti uma coisa estranha na barriga, antevendo um desarranjo intestinal feio, e comecei a pensar o que o poderia ter causado pois não havia comido nenhuma extravagância, forçando-me a imaginar que, talvez, a tensão do susto passado, possa ter provocado aquela situação!
Meu organismo não resistiu e acabei passando uma noite de Rei, quase que a noite inteira, indo para o trono! Moço, nunca tive uma situação destas em toda a vida, um sufoco só! Percebi, entretanto, que o amigo, no quarto ao lado, também estava passando pelo mesmo suplício.
Quando encontramos, no outro dia pela manhã, no salão de café chamei-o de lado e disse:
“ – Comando, tive o maior descontrole intestinal de minha vida esta noite, acho que foi o sufoco que passamos! E você?”
Olha só a resposta do maldito, quase me matou e ainda teve a coragem de mentir:
“ – Comigo não, Niltinho, dormi o maior sono da minha vida, cheguei mesmo a até namorar um pouquinho!”
Que maldito, pensei! Esta raça de gente não tem jeito mesmo, são os maiores mentirosos que já vi, pois eu tinha acompanhado, pelos ruídos, sua ida ao banheiro dezenas de vezes!
Deixa para lá, pensei eu, tomara que ele não quebre meu avião na volta, e “vaya con Diós”.
E assim, termino mais este conto, deixando uma mensagem para todos aqueles que querem fazer a aviação, para que não façam como eu ou meu irmão, que metemos os peitos sozinhos, só porque tínhamos dinheiro para comprar um avião!
Deixamos de lado um bom aprendizado, o respeito pelo avião, pela vida e pelo valor mais sagrado de todos: a segurança!
Mais tarde eu tive que negar meu avião para um piloto, (de quem eu muito gostava) só porque ele não colocava a segurança em primeiro lugar, e sim o dinheiro!
Após eu ter adquirido esta consciência, não tive mais acidentes, voei muito tempo na Amazônia, nos garimpos, na extração do mogno e graças a Deus estou vivo!”
Muitos amigos já se foram, em sua maioria, por terem desprezado o item mais importante na aviação: “A SEGURANÇA”!
Prezado jcflores, tb tive o prazer de conhecer o comdte Nilton recentemente. Realmente, suas historias sao muito boas, continue publicando, pois faz parte de nossa leitura. Abracos! Jr Magalhaes