Comandante Niltinho

Comandante Niltinho: O gaúcho da Bahia !!!

 
Vocês já devem ter ouvido falar que gaúcho não é bom pagador. De dinheiro eu quero dizer, pois de promessa nunca vi dizer que são mal pagadores, só que existe para mim uma explicação para isto.

Nas minhas andanças por este Brasil afora, nunca vi um povo se arriscar tanto como eles, eu ficava impressionado de vê-los comprando terras sem nenhuma fertilidade, e após poucos anos conseguiam retirar dela toneladas de alimentos.

Basta visitarem regiões como o oeste da Bahia, Balsas no Maranhão, norte de Mato Grosso, Vilhena em Rondônia, no Amazonas, e assim por diante, e verão que aquelas riquezas foram feitas unicamente com o suor, a coragem e o trabalho duro dos gaúchos!

Duvido que exista algum povo que faça igual! E quem se mete a transformar aquilo que não vale nada, em algo que vale muito, sem duvida vai comer o pão que o diabo amassou, e aí é que está a questão: Como não ter tropeço? Como não passar aperto, se os obstáculos são imensos?

Exemplo, clima, pragas, Banco do Brasil. Voces reconhecerão que o resultado positivo de tudo isto, é muito maior do que os pequenos prejuízos que possam ocorrer.

Certa vez eu arrendei meu avião para um gaúcho, piloto igual a mim, (estava numa escala abaixo dele), que tinha uma companhia de aviação agrícola e dava combate na região de Gurupi (sua sede), Formoso do Araguaia “Projeto Formoso”, e Cristalândia.

Nestas regiões, plantava arroz irrigado e na Bahia, na região de Mimoso, soja, milho, e quando chegava a entressafra, trazia seus aviões para o norte de Mato Grosso e sul do Pará, para jogar semente de capim, nas fazendas que estavam em formação!

E eu passei um bom período tão enturmado com a gauchada, que acabei aprendendo tomar chimarrão, comer muito churrasco, gostar das prendas, e soltar muitas gaitadas, só não aprendi a beber muito, não dava nem para a saída, ficava na culatra mesmo e logo ia dormir!

O porre deles começava na sexta feira e acabava na segunda cedo, meu Deus que fôlego, só ficava imaginando quando atingissem os cinqüenta anos!

Um dia perguntei para o Pilau:

“ – Como você consegue beber tanto assim?

– Porque eu gosto do sabor da bebida, não consigo imaginar alguém que não goste. Não pode existir alguém que não sinta prazer em beber.

– Confesso-te, que aqui está um que não gosta! Bebo pelo social apenas. Gostar? Não gosto!”

Deste dia em diante, vi onde estava à diferença entre uma pessoa normal e  aquela correndo risco de tornar-se alcoólatra, e vi que nunca ia me tornar um deles, graças a Deus!

 

 

 

Devo confessar a vocês que foram os anos melhores da minha vida, recebia direitinho, voava pouco, sempre mudando de lugar, e quando ficava na Bahia a nossa sede era em Posse, a última cidade de Goiás, ali era onde morava toda aquela gauchada que plantava na Bahia, precisamente no município de Correntina, e Santa Maria da Vitoria, que era festa todo final de semana, irmão!

 

 

 

Quando não estava voando para o Pilau, fazia taxi aéreo para aqueles que precisavam ia ir ao banco ou em Correntina ou em Santa Maria, a assim dava aquela matadinha (faturava)!

 

 

 

À Correntina gostava muito de ali pousar, e quando meu passageiro não queria, inventava uma pane! Lá moço, a coisa era do outro mundo, o rio Correntina passa no meio da cidade, não preciso dizer que tinha praia, corredeira, cachoeira e para finalizar, um barzinho numa ilha bem em frente ao centro da cidade!

 

 

 

Ali a gente bebia e também curava a ressaca, dentro do rio, sem falar nas prendas, que eram maravilhosas, não somente na beleza como na simpatia! Deixei por lá qrandes amizades, prometo que antes de morrer, irei voltar para me banhar naquele rio e dar um abraço bem arrochado naquele povo tão bom!

 

 

 

Numas dessas viagens levei o Noronha.

 

 

 

Falar do Noronha, não será difícil, pois era um gaucho de estirpe, de sangue azul, enfim um nobre! Longe de ser um “chineludo”, tinha estudado na Sorbonne, era fluente em várias línguas, até seu porte era diferente dos demais, mais para alto do que para baixo, entenderam?

 

 

 

Sou quase anão, batia a cabeça no seu ombro, e o que mais impressionava nele, era sua testa! Vocês já viram aquela testa que demonstra inteligência! Ela dá, sem dúvida, uma característica especial para a pessoa. Gostaria de ter igual, parecer inteligente!

 

 

 

gaucho pilchado 5
 
Sua voz era de comando, seu olhar era gelado, quando me olhava, sentia-me um verme! Pudera, o homem comandava um império, plantava cinco mil hectares de soja e milho naquelas terras ruins, tinha vários silos enormes para guardar a safra sua e de seus amigos, seu custeio era de um milhão de dólares!

 

 

 

Irmão, o homem tinha dinheiro para “pelar porco”, sinceramente eu tinha medo de conversar com ele, tanto era a imponência do bruto.

 

 

 

Um dia Pilau chegou para mim e disse:

 

 

 

“ – Niltinho vou colocar o Noronha para voar com você, ele precisa de um avião, tem muito negocio em Brasília, São Paulo, e estas viagens de carro demoram demais e além do mais, sua fazenda é a mais longe daqui, você vai ver como vai dar certo!

 

 

 

– Mas como Pilau, se o homem tem um baita medo de avião? Quando voa comigo, eu o vejo agarrar o banco do assento que parece que vai arrancar?

 

 

– Fique frio, Niltinho, você acaba tirando o medo dele, confio em você.”

 

 

 

– Não vai dar não, e além do mais ele é muito snob, cheio de tric-tric, eu não vou aquentar este cabra não, Pilau, deixe isto para lá!

 

 

 

– E outra coisa Niltinho, eu vou fazer ele pagar a metade do conserto do motor de seu avião, a outra metade é minha, não se esqueça que ele já está abrindo o bico, não demora muito você vai ver o sufoco que vamos passar para fazer este motor.

 

 

 

– Está bem Pilau, faça como você achar melhor! Porém se ele gritar na minha orelha eu o derrubo lá de cima, ouviu bem?”

 

 

 

E assim eu me tornei o piloto particular do todo poderoso Noronha.

 

 

 

Era um sarro, ele mandava me chamar em seu escritório, dava um baita chá de cadeira e depois me dizia:

 

 

 

“ – Niltinho, amanhã cedo nós vamos para fazenda, abasteça a aeronave.

 

 

 

– OK, Doutor Noronha!”

 

 

 

E saia dali puto de raiva! Imagine me chamar, para dizer que o vôo só seria no dia seguinte, achei que isto não passava do medo que sentia do avião! Queria ir à fazenda, mas quando eu chegava, ele se arrependia e então me mandava ir dormir!

 

 

 

Assim não ia dar certo, imaginei que tal parceria não teria futuro, e como seria o conserto do motor? E aí pensei: tenho que acabar com o medo deste cabra, ele tem que aprender a confiar, e a gostar do avião!

 

 

 

Passei então a arquitetar um plano!

 

 

 

Um dia quando fomos fazer um vôo para Brasília e ele estava feliz, ia ver sua prenda, uma baita loira de fazer o transito parar, comecei a colocar meu plano em ação.

 

 

 

“ – Você sabia Noronha, que voar é muito mais fácil que dirigir?

 

 

 

– Como assim?

 

 

 

– Se você deixar eu vou lhe mostrar! Fiquei sabendo que você gostava de corrida de carro, não é?

 

 

 

– Sim, eu dava meus pegas lá no Rio Grande, Tche, quando era piá! Hoje não, estou velho!

 

 

 

– Que nada, quem já foi rei, sempre será majestade, quer ver uma coisa? Pegue no manche, vire suavemente para direita, agora suavemente para esquerda, olhei em seu rosto, vi que seus olhos brilhavam e pensei: mordeu a isca! Agora você vai puxar o manche para trás e você vai notar que ele vai subir, porém não se assuste, subimos, subimos, e quando estava quase no pré-stol, gritei:

 

 

 

“ – Agora empurra todo o manche para frente!” pensei comigo, vamos ver se o gaúcho tem coragem! E aí ele empurrou todo o manche pra frente, e eu ainda dei mais um empurrãozinho ainda!

 

 

 

Quando o avião despencou e ele viu a terra vir para cima, deu um grito e soltou o manche, e aí cruzei os braços e falei:

 

 

 

“ – Segura Noronha que o avião é seu, eu não vou puxar o manche, puxe você!”

 

 

 

E ele naquele medo danado, sem saber o que fazer, e eu continuando com os braços cruzado, só lhe restou puxar o manche para trás, pois seus dedos estavam ali colados!

 

 

 

Puxou até que o avião voltou na posição que se encontrava. Quando saímos daquela perda e sentiu que foi ele e não eu que tinha recuperado o equilíbrio da aeronave sentiu-se orgulhoso, imaginem, dizia mais tarde para seus amigos:

 

 

 

“ – Fui eu que recuperei o avião, fui eu moçada! Niltinho não tocou no manche, estava com os braços cruzados!”

 

 

 

Aquilo tinha sido o máximo para ele, e eu tinha tirado seu medo de voar para sempre. Daí por diante sempre que ia voar eu decolava e entregava o avião para ele, e lá ia ele todo feliz! Chegando à fazenda que procurava, ele mesmo ia ver a lavoura, virava para esquerda, para direita, subia, descia, e trazia o avião até a cabeceira da pista e então eu pousava!

 

 

 

Aquilo virou rotina, e era uma alegria para ele e para mim, pois quanto mais voava, mais via o motor do avião sendo feito.

 

 

 

E ele a cada dia depositava confiança em mim e no avião! Não me esqueço o dia que fomos para Ribeirão Preto e, ao chegarmos houve uma confusão da torre de controle, e tivemos que dar preferência para um colega que tava pousando em emergência!

 

 

 

Noronha não entendia nada que a torre falava, e foi ficando nervoso, olhava para um lado olhava para outro e, com os olhos estalados perguntava:

 

 

 

“ – O que está acontecendo comandante?” E eu não querendo conversa respondia.

 

 

 

– Tenha calma, Noronha!” O pior era o auto falante do avião que estava uma droga, não se ouvia nada, o desgraçado só chiava e ele me viu sair daquela embaralhada tão bem, que aí sim, subi como um rojão no seu conceito, como “bom piloto”.

 

 

 

Fomos para o Bar Pingüim e tomamos todas que tínhamos direito naquela noite, afinal ali estava nascendo o mais novo piloto da Bahia. A volta foi uma maravilha, tempo bom, e ele veio voando até a cidade de Posse.

 

 

 

Só meus amigos, que aquela alegria estava prestes a terminar, o meu erro foi não ter ensinado o gaucho a cair! Isto mesmo, a cair! Tinha que ter avisado que aquela “merda” um dia poderia cair, pois é natural que quem vive pendurado um dia tem que cair, vocês não acham?

 

 

 

E o gaucho não gostou nada da brincadeira de cair! Eu não, já tinha caído várias vezes. Para mim era normal passar um sufoco de vez em quando. Ele não, nem sonhava com a possibilidade de passar o que passamos.

 

 

 

A confiança já era tanta que nem desconfiava que um dia aquilo pudesse vir pro chão, e como veio irmão. E vou contar para vocês como foi que o gauchão amarelou.

 

 

 

Tinha acabado de fazer uma revisão no avião, uma baita revisão, daquelas de não ficar nada para trás, mexi em tudo, carburador magnetos, mangueiras, enfim gastei uma nota preta para colocar o CZC em ordem, afinal estava voando para o senhor Noronha e o homem que não ia me deixar no “blefo”! No futuro, tinha que cuidar dele, vocês não acham?

 

 

 

Sai de Goiânia e vindo à Brasília, fui encontrá-lo no Hotel e ele logo perguntou:

 

 

 

“ – Como foi o IAM do avião?

 

 

 

– Ótimo, tudo que tinha que fazer foi feito!” respondi.

 

 

 

– Muito bom, comandante! Amanhã vamos para Juiz de Fora, em Minas Gerais, tenho que fechar um contrato! O contrato, na verdade, era outra prenda! É irmão, o gaucho era um verdadeiro garanhão!

 

 

 

– Vamos pernoitar por lá, ouviu bem?

 

 

 

– Sim senhor! Respondi. Ele naquela pose de magnata e eu, de serviçal! Nada mais. Era isto que me irritava parecia que tinha mesmo que voltar a voar nos garimpos, lá sim é que era bom pois garimpeiro não tinha frescura e se tinha a gente mandava logo a merda e pronto!

 

 

 

Ali não. Tinha que tolerar aquela “frescurada” Porém mais tarde eu vi que aquele era seu jeitão mesmo, e vim mesmo a gostar do gaucho, nos tornamos grandes amigos.

 

 

 

Tomamos aquele baita café de manhã e fomos para o aeroporto, acompanhados de sua amada, a “lindona”, pensei comigo! Ainda fico rico só prá ter dinheiro para gastar com uma mulher desta! Uma não, várias. Ainda vou ser o rei da cocada preta e vocês vão ver!

 

 

 

Fiz o plano de vôo para Juiz de Fora, passei na sala do serviço de meteorologia e vi que o tempo ia ajudar! O tempo é o item que mais preocupa os pilotos na realidade!

 

 

 

É que ninguém gosta de ficar desafiando a mãe natureza, uma vez ou outra tudo bem! Dá um tempo, relaxa e vai de novo, mas todo dia, é um saco!

 

 

 

O aeroporto de Brasília, é muito grande, o movimento dos jatos é impressionante e, imaginem vocês, um calango (avião pequeno) misturado no meio daquelas enormes aeronaves, não é fácil! Porém lá estava eu, me sentindo o maioral, pudera estava com o homem mais importante da minha região, o homem de um milhão de dólares, um homem que, se fosse nos tempos da monarquia, seria um Duque, talvez um Barão ou coisa assim!

 

 

 

E eu ali, servindo o homem com toda a merecida pompa, ainda mais que agora tinha perdido o medo de voar!

 

 

 

Era um dos meus! O cabra já estava ficando bom no manche, mais um pouco eu ia solar o bruto, e aí sim, eu ia merecer um motor de caixa, zerinho, vocês não acham?

 

 

 

E para compensar a “bajulância”, uma hélice de troco. A única coisa que destoava disto tudo era o avião! Tinha que ser um 210 ou um Sêneca e não o 182 ano 1967, um horror! No garimpo tudo bem, porém estávamos começando, talvez um dia, um learJet!

 

 

 

Avião checado, tudo em ordem, não notei nada de anormal, fui para cabeceira da pista, decolei, sai do tráfego, peguei a proa de Juiz de Fora, e fui subindo, subindo, nivelei nos 7.500 pés, ajustei as manetes, e coloquei o PT-CZC a voar sozinho!

 

 

 

Voltei para o meu amigo, e notei que ele estava descontraído, observando aquelas lavouras de soja abaixo de nós, quando, de repente, o avião deu “soluço” e começou a querer apagar! Confesso que levei um susto, tinha acabado de sair da oficina, depois de um IAM! Que brincadeira era aquela?

 

 

 

“ – O que é isto comandante? Gritou o Noronha mais branco que um véu de noiva.

 

 

 

– Não sei não!” E de fato, não tinha a menor idéia do que seria!

 

 

 

Tratei de verificar a pressão do motor, a temperatura, mas estava tudo normal, e o danado querendo apagar, querendo apagar e eu, dando-lhe umas “cacetadas” e não adiantava nada, e começamos a perder altura.

 

 

 

Nisso o meu gaucho engoliu o caroço, entrou em desespero, olhava para baixo, para cima, para mim! Ele estava doido para sair dali, e é justamente o que se passa na cabeça de qualquer um nesta situação, até dos pilotos!

 

 

 

Só que eles não sabem que o mais seguro é ficar dentro do avião! De repente, Noronha viu que existia uma pista abandonada logo abaixo e gritou:

 

 

 

“ – Olha lá, comandante, uma pista! Pouse lá, pouse lá, vamos!”

 

 

 

E eu olhava para ela e notava que estava cheia de mato, pensei, esta “desgraça”, está abandonada, eu não vou descer aí não, vou quebrar o meu avião!

 

 

 

Larguei a orientação de meu passageiro, e trarei de comunicar a torre de comando que iria fazer um pouso de emergência:

 

 

 

“ – Torre Brasília, aqui é Charlie Zulu Charlie.

 

 

 

– Prossiga, Charlie.

 

 

 

– Estou em pane, passei-lhe minhas coordenadas e pedi para que ficasse na escuta, pois não sabia exatamente aonde iria pousar. Enquanto isto o gauchão, já no limite de seu desespero, não ficava parado no banco nem por um segundo, olhou para baixo e viu uma estrada, e foi logo me pedindo:

 

 

 

 

 

 

 

“ – Comandante, comandante, tem uma estrada, ali olha, pousa lá!

 

 

 

– Tenha calma Noronha, assim você me atrapalha!” Olhei para a estrada, e notei que era estradinha de lavoura,toda torta, estreitinha, se eu metesse a cara, ia quebrar o avião é era justamente isso que eu não queria! Tinha que salvar meu ganha-pão à qualquer custo!

 

 

 

Confesso que não estava nem um pouco preocupado, uma imensidão de lavoura de soja, que para mim era uma beleza, muito diferente da Amazônia, que era só floresta, castanheira de cinqüenta metros de altura, um amigo pousou sobre uma, e se não tivesse uma corda não terá descido.

 

 

 

Quando meu amigo percebeu que eu estava saindo do rumo da estrada, entrou em pane!

 

 

 

“ – Você não voou nos garimpos? Comandante, pouse na estrada, pouse na estrada!” Gritava ele!

 

 

 

Eu não sabia mais com quem me preocupar, se era com meu amigo ou se com o avião! Dei um grito e o mandei calar a boca! Imaginem só, eu o mandando calar a boca! Graças a Deus que se calou, e me deixou pensar.

 

 

 

Eu já tinha perdido uns dois mil pés,e o danado do avião não queria saber de mais nada, voar que é bom,”néca”, porém não chegou a apagar por completo!

 

 

 

Parecia que tinha perdido as forças, mais ainda restava a esperança, parecia que queria ainda dar-me uma oportunidade, quase querendo dizer que nunca me deixou na mão, mesmo quando voamos juntos na floresta amazônica e “não é aqui que vou lhe abandonar, trate logo de achar um lugar seguro para mim e para você, seu piloto de uma figa!”

 

 

 

Confesso que estava tranqüilo, isto sempre foi uma característica minha na aviação, quando a coisa ficava preta, eu ficava branco, amarelar jamais, podem perguntar ao Noronha, e parece que foi isto, que mais marcou a sua consideração por mim, e mais tarde eu vim entender todo o seu agradecimento: na sua visão eu salvei sua vida (não se esqueçam que eu também estava salvando a minha)!

 

 

 

Em nenhum momento deixei transparecer que a morte havia chegado para ele, parece que em todo o seu desespero, e olha, que ficou muito desesperado, havia uma confiança, uma certeza que íamos sair bem daquela enroscada!

 

 

 

Como todo piloto tem uma visão bem mais apurada que os demais, enxerguei ao longe, uma concentração de eucaliptos, e aquilo me deu a certeza que havia a sede de uma fazenda onde, sem dúvida, iria existir uma pista, como era muito comum nas fazendas de soja dos gaúchos!

 

 

 

Tratei de virar o avião para aquele lado, e isto causou mais espanto para meu amigo afinal para ele, eu estava deixando o melhor lugar para pousar, que era a estrada, para aventurar não se sabe para onde! Coitado, em seu desespero não via o que eu estava vendo, e eu, atarefado com os procedimentos, não tinha tempo para explicar!

 

 

 

E fui perdendo altura, confiante que ia dar para alcançar, só que quando já estava próximo, confirmei que era mesmo a sede de fazenda, já estava bem baixo e não via a pista, que estava justamente do outro lado dos eucaliptos, beirando uma cerca!

 

 

 

Só enxerguei quando cruzei por cima da sede, que alivio irmãos, ela estava lá, uns mil metros, que maravilha, estávamos salvos pensei!

 

 

 

Passei raspando as arvores e aí foi mamão com açúcar, acreditem, fiz um pouso manteiga. Só que meu amigo, ainda desesperado, tratou logo de abrir a porta e pulou para fora, saindo numa desabalada carreira, ligando pelo celular para a namorada, e gritava:

 

 

 

“ – Nós caímos, nós caímos! E eu já ao seu lado tentando corrigi-lo, dizia:

 

 

 

“ – Caímos não, Noronha, pousamos! Pousamos!” Imaginem que a fazenda era do grupo fabricante das colheitadeiras SLC e possuía uma bela oficina com mecânico, que logo que abriu o capô, viu onde estava a pane.

 

 

 

Sempre acreditei que avião não cai por causa de motor, mas sim, com pane nos acessórios, como carburador, magnetos e várias outras coisas, e foi simplesmente uma fuga de gasolina, ocasionada pela braçadeira do mangote que leva a gasolina do carburador para a cabeça dos pistões que quebrou e justo estes dois citados, que eram para ser trocados na revisão, não o foram, dando fuga de gasolina e causando assim a perda de potencia do motor, que nos levou a passar por tudo aquilo!

 

 

 

“ – Coisa simples!” tentava eu explicar para meu companheiro, mas ele nem quis saber de nada, montar no avião de novo nem pensar, tive que decolar sozinho para uma cidade próxima dali, Luziânia, aonde tinha uma oficina de manutenção para dar mais uma revisada, e tratar de alugar um taxi para buscá-lo de volta para Brasília, onde voltamos a nos encontrar no Hotel.

 

 

 

Agora vocês devem estar pensando: Niltinho perdeu de vez o parceiro! Depois dessa, o gauchão não entra nunca mais no seu “calanquinho”, tchau revisão de motor, e foi isto mesmo que eu senti quando voltei ao hotel e ele foi logo me dizendo:

 

 

 

“ – Nós não vamos mais para Juiz de Fora, amanhã cedo eu parto para São Paulo,e você volta para Posse!”

 

 

 

Como já estava aguardando alguma coisa parecida, respondi:

 

 

 

“ – Negativo doutor Noronha, eu não vou voltar sozinho para Posse não! Aquilo causou um espanto nele!

 

 

 

– Mas eu estou mandando! Você vai voltar sozinho, tenho que ir para São Paulo!

 

 

 

– Você não tem que ir a São Paulo coisa nenhuma, você está com medo de subir novamente no avião, e eu não vou deixar que você fique com trauma de voar, só porque tivemos uma panezinha! Se não subir naquele avião comigo, você vai ficar para o resto da sua vida com medo de voar, portanto eu só saio deste Hotel junto com você, e vamos de avião para Posse juntos! E agora vou tomar meu banho! Estarei no restaurante para a hora do jantar!” E sai, deixando-o com a boca aberta!

 

 

 

Ele não apareceu para jantar e, sozinho, fiquei pensando na merda que tinha feito.

 

 

 

Amanheceu o dia e nos topamos no café, olhou com o rabo dos olhos e me cumprimentou:

 

 

 

“ – Bom dia Comandante!

 

 

 

– Bom dia Doutor.”

 

 

 

Ele sentou em outra mesa, pensei, o homem não tem jeito não, nem sentar comigo ele não quis, vou ficar na minha.

 

 

 

Sentei no saguão do hotel e fui ler um jornal, e de vez em quando, o observava.

 

 

 

Ele recebeu uns amigos e depois sumiu, e eu acabei indo para meu quarto e ali aguardei o desenrolar das coisas, pois já estava virando uma novela da Globo.

 

 

 

Chegou a hora do almoço, fui almoçar e o homem nada! Lá pelas duas da tarde ele apareceu e foi logo me dizendo: Eu não falei para você ir para Posse, Niltinho?

 

 

 

-E eu não falei que só saio daqui com você? Senhor Claudio Noronha, vamos embora pra nossa casa homem!” E dei um sorriso, que acredito, salvou meu motor!

 

 

 

“ – Você não tem jeito não, seu Garimpeiro, vai mesmo me fazer subir naquele avião de novo?

 

 

 

– É preciso doutor Claudio, se não, nunca me perdoará, e eu não quero pagar este pato, vai ficar muito indigesto!” E dei uma risada!”

 

 

 

Vocês pensam que ainda foi fácil eu botar o “bruto” dentro do avião? Foi não, quase que ele “quiabava” no aeroporto, só fiquei tranqüilo mesmo, quando decolei e botei no rumo de casa! Aí sim, respirei aliviado, afinal tinha salvado meu motor, uai!

 

 

 

Olhei para o rosto do meu parceiro, notei que a confiança em voar estava voltando,e arrisquei:

 

 

 

“ – Pegue no manche Claudio, que está contigo! Vou verificar uma freqüência aqui no Rotaer, (era somente uma desculpa para ele voltar a voar), e soltei o manche, abaixando-me para procurar na bolsa, e fiquei ali procurando por um bom tempo, e com isto ele voltou a pegar o gosto de voar. Acreditem, foi voando até Posse.

 

 

 

Lá chegando, tinha um monte de gente nos aguardando no aeroporto, afinal, a gauchada já sabia do ocorrido, e aí meus amigos, ele foi contar a história toda!

 

 

 

Tinha hora que a história era triste, outra hora era alegre, e assim foi até a tardinha, a cerveja rolou solta e eu ali era o herói, foi por minha causa que não morremos, dizia ele! Que nada! Foi a sorte! respondia eu, todo orgulhoso!

 

 

 

Imaginem vocês, que que pensava que o gaucho tão cedo não montaria no avião mas estava redondamente enganado! Logo ele me perguntou:

 

 

 

“ – Vamos para fazenda, comandante? Vou mandar matar um carneiro e só vamos voltar na segunda, o que acha?”

 

 

 

Aquilo me pegou de surpresa! Levei um susto, mas respondi na bucha:

 

 

 

“ – Ora Cláudio, um convite deste, até cachorro aceita, vamos embora, o tanque do avião esta cheio mesmo, e só irmos para o aeroporto!”

 

 

 

E fomos dormir na fazenda, na maior alegria! Confesso que não imaginava que esta história ia terminar tão bem,vocês não acham? Só que o destino ainda não se dava por satisfeito, e ainda ia rolar muita água por baixo da ponte!

 

 

 

O pior ainda estava por vir, meus amigos! Acreditem, meu motor ainda corria risco! E grande!

 

 

 

As atividades voltaram ao normal e eu, ora voava para o senhor Pilau, ora para o senhor Claudio Noronha. Tudo nos trinques, nem imaginava que meu parceiro tinha se enrrolado todo, juntos aos bancos, depois com a CONAB -órgão que armazenava a safra de soja e milho do Banco do Brasil, depois com os fornecedores!

 

 

 

Quando dei por mim, meu gauchão estava sendo procurado pela policia, imaginem vocês o tamanho do rolo em que ele se encontrava, nem Jesus Cristo iria salvá-lo! E eu, como ficaria na história?

 

 

 

Não tinha um documento que atestasse que havia feito os vôos para ele, e, pior, aonde iria achá-lo ? Nesta hora o gaucho “pirulitou-se”, sumiu do mapa, escafedeu-se, quebrou que de tal maneira, que só restou farinha! Nem arroz de terceira ficou como ele! E eu fiquei de boca aberta, pensando, o que seria de mim se o gaucho não me pagasse? E o motor, que já estava na hora de fazer?

 

 

 

Tratei logo de arrochar o Pilau, afinal foi ele que botou naquela bocada, agora ele tinha que me ajudar a sair!

 

 

 

“ – Pilau, como vai ficar esta nossa novela com Cláudio? É melhor procurá-lo logo, antes que seja tarde demais! Você sabe que eu não tenho condições de fazer este motor só com o dinheiro de sua parte. Eu vou ficar quebrado, meu amigo.

 

 

 

– Niltinho vamos para Brasília amanhã cedo, eu sei aonde ele está escondido, porém garanto que ele não vai lhe dar o mínimo prejuízo! Conheço bem o meu amigo, e além do mais, ele gosta muito de você, não sei por quê! Portanto fique frio!

 

 

 

Como ficar frio, vendo meu dinheiro amarrado no rabo do “veado”! Quem fica? Tratei de me acalmar e fomos para Brasília! Confesso que não tinha nenhuma esperança de receber, pois tinha visto que, para receber conta documentada, daquela gauchada quando quebrava, já era difícil, imaginem eu, que não tinha nada!

 

 

 

Meus amigos ,estava chegando a hora de ver se meu parceiro era mesmo pedra noventa, como dizia Pilau.

 

 

 

Quando nos encontramos em um bar, ele foi logo dizendo:

 

 

 

“ – Veio receber seu dinheiro, comandante?

 

 

 

– Vim sim senhor, você conhece bem a minha situação Claudio.

 

 

 

– Pois é, tenho uma proposta para fazer. Seu carro é liberado, não é?

 

 

 

– É sim Cláudio.

 

 

 

– Então, vou lhe passar a Pampa que tirei da agencia agora, financiada em vinte e quatro meses, para você venda seu carro para fazer o motor do avião, e eu vou pagando as prestações OK ,Niltinho?

 

 

 

– Aí não dá Cláudio, você vai ficar de pé?

 

 

 

– Não se preocupe comigo, pois vou dar um jeito!”

 

 

 

Confesso que não gostei da proposta, afinal quem ia me garantir que ele ia continuar pagando aquelas vinte e quatro prestações, na situação em que se encontrava?

 

 

 

Já estava vendo o oficial de justiça batendo na minha porta, logo, logo!

 

 

 

Meus amigos, foi a última vez que vi este gaucho pois logo em seguida, mudei para Tucumã no estado do Pará, e todo começo de mês, lembrava-me dele, e também do oficial de justiça que deveria aparecer, só que jamais apareceu na minha porta!

 

 

 

Não sei quem pagou as prestações, mas ele cumpriu integralmente sua promessa, e até hoje fiquei sem entender por que ele havia feito aquilo!

 

 

 

Penso que deve ter sido em função daquelas situações que passamos juntos, que o levou a ter consideração pela minha pessoa, não me deixando na mão, sabedor que era de minha situação!

 

 

 

Espero em Deus que ele esteja bem, onde quer que se encontre! Mando-lhe meu forte abraço e espero que seja muito feliz. Cuida-te gaucho!

 

 

 

Em tempo: Após vinte e quatro meses, entrei em contacto com a financeira e liberaram o carro.
 
Comandante Niltinho
é piloto de garimpo

 

Um comentário sobre “Comandante Niltinho: O gaúcho da Bahia !!!

  • Muito interesante esta história

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