Comandante Niltinho

Comandante Niltinho: A Terra do meio !!!

Omitirei os nomes dos que participaram desta aventura, à pedidos e também por questões de segurança !
 
Era mais um encontro, naquela tarde chuvosa, momento em que  iríamos tratar de mais um assunto corriqueiro na época: saber quem iria participar da divisão de uns vinte mil alqueires de terras, na região do Iriri, a famosa “Terra do Meio”! Esta maneira de colonizar o Pará era advinda da época dos colonizadores portugueses, e aconteceu da mesma forma, em todos os estados brasileiros, inclusive em São Paulo e Paraná! Esse método, herdado da colonização, conheço muito bem pois, toda a minha família participou deste importante fato histórico, ocasião em que eu tinha quatro anos de idade.
 
O método de colonização ao qual me refiro é o que hoje é criticado pelos órgãos ambientais. A formação da tropa era a seguinte: os mais corajosos e endinheirados na frente, os mais molengas e blefados atrás e por ultimo, o incompetente do Estado, lá muito na rabeira, que nos deixava fazer o que queríamos: não havia sequer um órgão governamental para colocar ordem na casa!
 
Para mim, a ordem deveria ser ao contrário, com o estado em primeiro lugar, para botar ordem na bagunça e não deixar ocorrer o que estava ocorrendo e atuando como o maestro, com vistas a evitar ignorância mais tarde, e não aparecendo só na época de arrecadar impostos ou votos. Este procedimento de abertura, tão comum e necessário a meu ver, para o desenvolvimento de nosso país, representou um marco pois foi através dele que transformamos o nosso país no gigante que é, fazendo a gente se encher de orgulho ao estar frente ao mapa da América do Sul, ciente de nossa grandeza e riquezas mil, vocês agradeçam a todos estes bandeirantes, tanto aos nossos antepassados quanto os modernos de hoje e não pensem que eles fizeram algo de errado, era o sistema da época e que por isto não deveriam ser julgados e condenados, e nada não foi fácil.
 
Para chegarmos onde estamos agora muitas vidas foram sacrificadas, muitas viúvas choraram pelos seus amados e muitos “pés de pano” ficaram felizes. E o que me irrita é ver hoje o governo condenando este processo e querer julgar, e o pior, condenar  aqueles que ajudaram a fazer crescer este país! Se dependesse do estado, nunca seríamos o que hoje somos. Se o estado acha que este modelo não é o correto, que ache outro e não demore pois tudo isto poderá acontecer aqui na Amazônia!
 
Se esta atuação fosse participativa, isto é que fossem boas para ambas as partes envolvidas (proprietários das terras e governo), não haveria mais desmatamento! Seria uma lua de mel perfeita! Mas se continua o desmatamento é porque alguma coisa esta errado, porque negócio bom, tem que ser para ambas as partes, caso contrário, não funciona, “isto é elementar meu caro Watson”!
 
E eu dou um “viva” a todos os bandeirantes que deram seu sangue por esta causa e uma vaia aos incompetentes que acham que conhecem a Amazônia!
Chega de desabafo…!
 
Voltemos ao inicio de nossa historia, isto sim, é o que interessa. Falar de política econômica, para que? Não nos ouvem mesmo! Havíamos descoberto uma pista de pouso abandonada, provavelmente feita por madeireiros anos atrás, na época do mogno bem na beira de um rio, e ficou para mim a tarefa de achá-la e avaliar a possibilidade de fazê-la voltar a operar! Nisso eu era bom, graças ao GPS! Abasteci “full” tanque o velho CZC, eu pretendia voar umas quatro horas pois não seria fácil encontrá-la e parti logo cedo com um companheiro!
 
Região do Iriri (Terra do Meio)
 

Quando cruzamos o rio Xingu e penetramos naquela mata rumo à pista que pertencia a um piloto colega nosso, fiquei maravilhado de ver tanta terra boa, topografia quase plana, muitos riozinhos e de vez em guando uns morros!

 
Tenho a absoluta certeza que aquele subsolo tem grande incidência de algum minério, níquel, ouro, cobre e talvez até mesmo alguma coisa a mais, como estava ocorrendo em toda nossa região. Não demorou muito para encontrar a bela pista de meu amigo,  quase mil metros, cascalhada, fico imaginando o quanto gastaram para construí-la! Uma fortuna considerável, só que isto saia na urina, o senhor “Mogno” pagava tudo!
 
Botei as coordenadas geográficas no GPS, segui em frente e não demorou muito localizei o rio, para mim deveria ser aquele o “bendito riozinho”, subi rio acima, abaixando mais o avião, afim de observar a existência de algum vestígio de desmatamento da pista! Sabia que teria que prestar muita atenção, pois com o passar dos anos, ela mal conseguiria ser vista, devido à rápida regeneração da floresta.
 
Por sorte, encontrei-a justamente em uma curva do rio, fiquei alegre e triste ao mesmo tempo, pois estava suja demais, calculando uns quinze dias para limpá-la, para o inicio de nossa aventura! Já estava imaginando o “cascalho” que poderíamos ganhar!
 
O meu retorno foi comemorado com alegria, pois tínhamos achado a pista e ela não estava longe da outra, de meu colega, significando que poderíamos usá-la como ponto de apoio! Distante mais ou menos uns vinte quilometros, não seria difícil alcançá-la através da mata fechada, nossos companheiros eram tão bons para andar pelas matas, que desafio qualquer índio para uma disputa, ainda mais pelo que fiquei sabendo de um colega que havia caído, pelas bandas da Fazenda Jaú com cinco índios dentro e ele teve que se virar para sair no rio Xingu!
 
A única coisa que se salvou do avião foi à bússola, e graças a ela meu colega se salvou! Pelos índios, ele não acreditava que seria fácil. Este avião nunca foi encontrado, embora seu proprietário tenha oferecido um bom dinheiro para que os índios fossem procurá-lo! E eles foram?
 
Arrumamos as “tralhas”, GPS para nosso mateiro, rádio para comunicação, bateria, rancho (alimentos), armas e munições, facão e mais algumas coisas necessárias para quem vai fazer uma aventura dessas. Marcamos o dia da partida para uma segunda feira, pois os meninos queriam usar o fim da semana, para as despedidas da família, namoradas, esposas, afinal alguns deles poderiam não voltar dessa aventura, sujeitos que estavam a ser devorados por  onça, picado por cobra, ou morrer afogado nas travessias de rios! São coisas comuns de se acontecer na floresta.
 
É aí que cometi o maior erro da minha vida, pois ao invés de levá-los diretamente para a pista, sem falar nada com meu amigo,  resolvi solicitar permissão para pousar, achando que seria por mera formalidade, e acabei recebendo um NÃO como resposta! Quase desmaiei, juro, que por aquela resposta, que não esperava jamais! Abaixei a cabeça e pensei comigo mesmo, “dor de barriga não da uma única vez”, cabra. O que ia fazer? Tudo já estava arrumado! Quase ajoelhei em seus pés para que me deixasse pousar em sua pista, e nada adiantou!
 
Antes de comunicar a meus companheiros a mudança de planos, teria que arrumar outra pista! Mas onde? Conversando, por fim descobri uma, distante uns quarenta quilômetros! Chamei o mateiro e disse:
“ – Agora é com você, eu não te obrigo a ir, pois acho temerário se andar esta distancia, ainda mais carregando este peso todo!, Voces não vão agüentar! É melhor desistirmos dessa brincadeira, vou comunicar a todos!”
 
Acredito que existam homens mais corajosos que outros, aafinal, quem nunca ouviu falar a expressão “fulano tem saco roxo”? Pois é, este cabra tinha, e devia ser bem roxo, pois olhe o que ele me disse, na maior calma:
“ – Não se avexe homem, só  preciso que você me leve para conhecer o local da pista e o rumo de aonde você vai me deixar, quero ver se no rumo tem serra alta pois, se não tiver fique frio, eu dou conta!”
 
Confesso que se não fosse a raça de meu companheiro e nossa determinação em ganhar dinheiro, eu mesmo teria desistindo de tudo aquilo, imaginem as dificuldades que estavam por vir?
 
Vocês não têm a menor idéia do que é se embrenhar na mata fechada, para chegar num ponto pré-determinado, sem conhecer nada! Tenho certeza que nem o mais esperto dos índios daria conta de tal tarefa, afinal, quantos que já se perderam em tarefa parecida?  Será que nossos homens chegariam vivos?
 
Procurei não pensar mais naquilo e fiz dois vôos para colocá-los na pista. No vôo que fiz com o mateiro, observamos que na metade do percurso ele teria que seguir à direita para contornar uma serra!
 
Nossa sorte foi que o rumo não era tão distante da ponta da serra e, com alívio, marcamos a data para eu ir encontrá-los na pista, que, deveria ocorrer, no prazo de trinta dias a contar da data de saída! Despedi-me deles desejando boa sorte, pois era isto mesmo que  iriam precisar!  Muita e muita sorte, mesmo!
 
A viagem deles foi uma tortura, se for contar aqui, daria um conto! Peso demais para carregar, as botinas não aquentaram o tranco, vários deles chegaram descalços, foram abandonando as coisas mais supérfluas! As dificuldades de carregar todo aquele peso eram tantas que muitas coisas foram ficando para trás e, pior, deram num percurso que não tinha água, ainda bem que a mata tem outros meios para fornecê-la, como um cipó que cresce nas árvores. E assim foi!
 
Depois de muito vagar, o GPS os trouxe para perto da pista, com as marcações indicando o ponto determinado porém, onde estava a pista? Não conseguiam achar! Eu havia encontrado o ponto voando, devo ter demorado alguns segundos para marcar o ponto e o avião voando mais de duzentos quilômetros por hora, imaginem a diferença que deu, e isto causou uma grande dificuldade para eles, não encontravam a pista e ela toda cheia de mato só piorava as coisas, coisa para quem conhece e sabe, para ter sucesso!
 
E foi o que aconteceu com meus amigos: eles eram muito bons, os melhores, talvez nunca mais encontre uma equipe igual! Acharam a pista, depois de terem encontrado o rio! Meu amigo sabia que ela estava justamente à margem, ele havia visto quando sobrevoamos!
 
Fizeram um barraco, instalaram o rádio e aí a coisa melhorou, embora a moral estivesse baixa, a fome rondando, iguais às onças que vinham esturrar próximo do barraco, a munição acabando, só restava às traíras, que, por sorte, tinha demais.
Quando consegui falar com eles foi um alivio, gastaram mais tempo do que imaginávamos, mas começaram a limpar a pista. Só que a bateria arriou, e aí bateu o desespero em alguns, acabaram metendo uma bala no rádio que não serviu mais para nada.
O mateiro começou a encontrar dificuldades para fazer uma boa limpeza na pista, pois havia pedido que caprichassem pois senão  não pousaria! A metade dos companheiros resolveram abandoná-lo, não aquentavam mais comer traíra. Tem uma passagem que devo registrar, pedindo que não duvidem pois o que aconteceu foi verdade, e não conversa de pescador!
Como disse, as coisas foram acabando, e o mesmo aconteceu com os anzóis, tinha sobrado apenas um, e este numa fisgada com uma imensa traíra (na Amazônia tem umas de mais de metro), acabou sendo levado e ai sim a coisa ficou preta, mano, não tinham como pescar!
Um deles resolveu fazer um anzol com arame, mas não deu certo, a traíra levava tudo, isca, arame, linha, só faltava levar a vara! Restou apenas à idéia de fazer como os índios, um arpão.
Aí sim a coisa deu sorte porém, sorte mesmo foi quando eles pegaram uma baita traíra e imaginem o que encontraram dentro dela? O anzol mano, foi uma bela surpresa, e alivio, pois ai deram de pau nas coitadas das traíras, acredito que não sobrou uma para confirmar a historia!
No dia marcado, decolei cedinho e fui buscá-los, estava apreensivo havia perdido o contato, não sabia como estava a pista, não sabia de nada, isto me dava preocupação afinal, nunca gostei de inaugurar pista, você corre o risco de dar uma quebrada, e não é nada bom!
Agora era fácil, tinha as coordenadas, e eu dou vivas para o inventor este aparelhinho maravilhoso, que veio nos tirar de frias pois, antes dele, era aquele sufoco, sempre estávamos nos perdendo e era aquela choradeira na fonia, tentando encontrar um colega para ajudar.
De longe avistei a pista, que antes não dava para ser vista, que maravilha, afinal a primeira etapa estava feita, pensei comigo! Agora é a vez do meu outro amigo (bom vendedor de terras!), entrar em ação! Dei um rasante sobre a pista, e puxei até quase entrar em perda, então entrei numa curva para esquerda, afundei o nariz do CZC e deixei-o ganhar velocidade, dando outro rasante, tudo isto para cumprimentar meus amigos e os vi acenando para mim!
Imagino a felicidade deles em ver o avião chegando, eu sentia a mesma coisa quando garimpava em Roraima! Lá fui apenas garimpeiro.
A pista era curta, notei que não limparam toda, porém dava para decolar com três pessoas apenas. Isto era difícil para muitos pilotos, saber com quantos quilos você poderia decolar, pois tinha pista que você decolava com quinhentos, outra duzentos, tinha pista que você só podia sair com um, imagine se fosse com pista ruim!
Fui parar no final da pista, tive que saltar uns quarenta metros, os quais vi que estavam ruim demais, e me lembrei do conselho do meu instrutor, “quem despreza um metro de pista, chora ele amanhã” e é uma verdade, especialmente voando nessas pistas de garimpo.
Tive que descer do avião e virá-lo abaixando a cauda, não tinha espaço, para vocês verem o quanto era estreita! Nisto chegaram meus amigos para ajudar.

Dei um abraço bem apertado no Mateiro, e notei a falta dos outros, provavelmente estariam pescando ou caçando, pensei eu!

“ – Que alegria em ti ver mano, como você está? Parece-me mais magro!
– Ele deu um sorriso,e emendou, É a “farta”!
– Falta de que?
– De “muié”, da pinga, da comida, do cigarro, uai, de tudo que “nos num tem aqui”!”
Sorri de sua brincadeira, e perguntei sério.
“ – Me diga, como estão as coisas, bicho!
– Para falar a verdade não estão boas não, metade da turma não aguentou esperar, e há dois dias, se mandaram no rumo da pista daquele seu “amigo” e eu acho difícil eles acharem! Dei o GPS para o “Boca”, mas não acho que ele aprendeu a operar pois é “anarfa” (analfabeto), não sabe nem português, imagine inglês!
Aquilo me preocupou, tratei logo de arrumar as coisas do mateiro, tinha sobrado muita pouca coisa para trazer de volta, não sobrou nem o meu rádio, que havia mandado vir de Anápolis naqueles dias e estava novinho! Acabaram com ele no tiro, só porque ele parou de falar, eram doidos aqueles caras!
Decolamos rumo à pista “proibida” e pensei,  meu amigo, agora vai dar merda pois vou descer de qualquer jeito, estava ansioso para saber se o pessoal tinha dado conta de chegar.
Para surpresa minha, quando cheguei, a pista estava repleta de tambores, dei uma volta e fiz aquele movimento de acelerar e desacelerar, no manete, sinal utilizado para indicar que você quer pousar, e com espanto, observei que retiraram os tambores e eu pousei! Que pista, irmãos, fiquei com inveja!
Vocês já devem estar curiosos para saber deles, não estão? Pois é, não estavam, nem sinal da rapaziada, a turma do meu amigo disse que nem sinal de tiro eles ouviram, o que ocorre quando alguém se perde na mata!
Troquei umas idéias com o meu companheiro e ele deu uma grande idéia: decole, sobrevoe a pista e pouse! Vamos fazer isto de meia em meia hora, se estiverem por perto como imagino, ouvirão o barulho do avião e iram se orientar e chegar aqui.
Fiz como ele me pediu e fui voando de meia em meia hora! Pela tardezinha, chamei-o e disse:
“ – Não dá mais para voar, estou ficando sem gasolina, você sabe que a gente não usa voar com tanque cheio quando se vai pousar e decolar de pistas ruins! Como vamos fazer se eles ainda não chegaram?
– Vamos usar o resto dos meus cartuchos. Disse-me.
– Você acha que isto vai dar certo? Perguntei, desanimado.
– Vai, uma ocasião saí da mata deste jeito!
– Tomara que você esteja certo, se não estes caras vão se ferrar.
Pequei uma rede no barraco, e fui dormir um sono cheio de pesadelo, só pensando naqueles perdidos! Demorei a dormir pois ficava rolando para cá, para lá, e quando estava ainda nesta peleja, ouvi um grito!
“ – Comandante, comandante, eles estão aqui, corre, corre vem ver. Pulei da rede e corri. Enxerguei-os vindo pela pista e contei, estavam todos lá. Nunca vou esquecer aquela cena. Enfim tínhamos recuperados todos os nossos companheiros, graças a Deus.
A idéia do mateiro tinha dado certo, eles vieram seguindo o ruído do avião e após pelos tiros, rezando para nos não deixássemos de atirar! Tinham ouvido o ruído do avião quando passei de manhã e imaginaram que seria eu que ia buscá-los, e ficaram arrependidos pela burrice de ter abandonado a pista.
Os caras estavam exaustos, pernas bambas, os olhos arregalados, barbudos, quase não deram conta de chegar ao rancho para beber.
Foi aquela alegria, notei que havia aparecido uma amizade muito grande entre eles, talvez adquirida nos dia que passaram juntos, pois, geralmente, o sofrimento atrai o ser humano ele se torna mais razoável! Não tiveram tempo nem para descansar, todos queriam ir embora, o avião estava ali, esperando por eles, era um sonho, estavam cansados de ficar naquela mata, sofrendo como  condenados. Estava na hora de um bom banho, uma loira gelada, ver gente, afinal o ser humano é um ser gregário. E a pista limpa, mano. Dever cumprido!
“ – Comandante, agora podemos ir embora, disse o mateiro! O grupo está reunido novamente!”
Senti ali que não é qualquer homem que nasce para liderar, aquele sim, era um líder, e se não fosse por ele, talvez não existisse esta historia. Tem hora, que sinto saudade dele. Não o vejo faz muito tempo, ele arrumou umas encrencas meio pesadas, talvez não esteja mais vivo. Que Deus o tenha!
Dessa turma poucos estão vivos, uns morreram matado, como o “Boca”, que foi pego numa picada na mata, e foi deixado para os bichos comerem, outros sumiram, talvez mortos também.
Partimos, deixando para trás aquela aventura que, para mim, foi uma das maiores da vida! Somente Deus para ajudar tudo a dar certo, vocês não acham?
Dentro do avião era aquela algazarra, pareciam crianças que acabaram de fazer traquinagem, cada um queria contar sua história mais alto que o outro, chegou uma hora que tive que mandá-los calar a boca! Quase fui jogado fora do avião, nem me ouviram, estavam alegres imaginando o que iriam fazer com o dinheiro que ia dar para eles comemorarem! Deixei para lá, afinal eles mereciam aquela alegria!
A “diretoria” estava reunida para traçar novos planos, afinal, pista limpa, era hora de começar a fazer as picadas, imaginávamos que existiam uns trinta mil alqueires!
Só saberíamos mesmo quando alguém viesse prá cima, reclamando que estaríamos invadindo sua área! Era assim que as divisas iam se formando e o interessante era que uma simples picada servia para dar o direito de posse, isto se a sua era a mais antiga ou se a sua turma fosse a mais valente também, isto contava muito, impunha mais respeito.
Voltei à pista para instalar um novo rádio, refazer os ranchos que haviam se acabado, teríamos que reformar as palhas dos ranchos afinal havia se passado muitos anos abandonados, fiquei impressionado com o tamanho das mangueiras, dos pés de laranjas, goiaba!
Antes dos madeireiros chegarem, já havia gente morando naquela área, usando o riozinho para alcançar o rio Iriri e após o rio Xingu, indo abastecer de rancho (comida) em Altamira, imagine só a dificuldade de se fazer a “feira”: tinha que andar uns duzentos quilômetros !
A coisa corria bem, através do radio controlávamos tudo, ninguém para perturbar nosso sono, senti a coisa fácil de mais, aquilo já estava dando para desconfiar, afinal a coisa não era fácil assim!
Até que um dia apareceu em meu escritório em Tucumã, um homem alto e mal encarado, procurando por mim:
“ – O senhor que é o comandante Niltinho?
– Sou eu mesmo! Pensei, mais um vôo para fazer.
– Quero saber quem lhe deu autorização para limpar minha pista no Iriri?
Meu Deus dos céus, estava demorando a aparecer encrencas, pensei com meus botões! Era hora de meu amigo Raimundão entrar em ação.
Raimundão era o homem mais famoso da região, além de conhecer toda a área, era tido como o mais valente. Sua fama transpassava  fronteiras cara! Era uma tranqüilidade estar ao seu lado! Não usava violência pois sua presença e fama falavam por ele. Sua inteligência  impressionava! Numa empreitada destas tinha que se ter vários tipos de gente pois, do contrário, não dava certo. Cada um tinha sua função, a minha vocês sabem, era voar, irmãos. A do Raimundão, vão saber agora.
“ – Quem deu autorização foi o Raimundão, e quero saber quem é você afinal? Respondi na bucha, sabia que não podia “amarelar” naquela hora.
– Eu sou um “Banack”.
Aí, eu engoli a saliva da garganta e senti que vinha encrenca feia pela frente.
Falar dos Banak é fácil, sua historia no Pará é grande, todos conhecem, tem até cidade com seu nome, alguns dos homens mais rico da região, o maior madeireiro, maior fazendeiro, afinal o homem tinha bala na agulha!
“ – Primeiramente, senhor Banak, que eu saiba aquela área está abandonada há muito tempo, não vi presença de ninguém por lá, e este é o motivo por qual o senhor Raimundão me contratou para limpar a pista.
– Só que tenho a escritura daquela área e isto me dá o direito de fazer o que quizer, abrir ou não!
-Se o senhor tem os documentos, só nos resta sair de lá, porém, o senhor “Raimundão” gostaria de dar uma olhada, se não se opuser, não é, senhor Banak?
Tinha certeza que tinha um monte de lixo e nada mais, este é o problema do Para ninguém tem escritura que valha alguma coisa, somente um monte de papel podre.
“ – Tudo bem, volto semana que vem com a papelada e então acabamos com isto, senhor Niltinho!
Conversei longamente com Raimundão, e ele me tranqüilizou:
“ – Fique calmo comandante, este homem não tem documento que prove nada. Deixe-o vir, que de agora em diante a coisa é comigo! ”falou meu garoto” pensei eu.
No dia marcado ele veio, o encontro foi no meu escritório. Só que desta vez ele estava mais calmo, não sei se era a presença do Raimundão!
“ – Deixe me ver estes seus documentos, pediu Raimundão.
Cara, eu não sabia que ele entendia de papel! Para mim ele entendia apenas de “negócios”, leu e releu aquilo tudo, e após uns momentos, jogou em cima da mesa e disse:
-Para mim isto não vale nada, senhor Banak, o mesmo direito que você tem eu tenho, portanto é melhor entrarmos num acordo, do que ficarmos aqui perdendo tempo com conversa fiada, o senhor não acha?
Não vou me ocupar contando o resto da conversa, que demorou bastante! O homem não queria “abrir” e Raimundão muito menos! Vamos logo para os “finalmente”!
Em certo momento, notei que meu amigo iria vencer aquela queda de braço, foi quando o senhor Banak fez a primeira proposta. Na verdade ninguém queria um confronto, afinal as terras não eram de ninguém, estávamos lá de abelhudos.
“ – Vou dar então cinco mil alqueires, pagar a limpeza da pista e nada mais.”
Por mim já topava, imaginem cinco mil alqueires, irmãos? É muita terra!
“ – Negativo senhor Banak, eu quero dez mil para sair de lá numa boa.”
Virei à cara para outro lado, para não me trair, afinal estava além das minhas expectativas e levantei da cadeira e emendei:
“ – Por mim também concordo nos dez mil, menos não!”
Vocês já jogaram pôquer? Aquilo estava parecendo uma mesa de jogo, e meu amigo estava jogando bem, queria que vocês estivessem lá para ver a cara dele! Nesta época ele fumava um pau ronca (cigarro de palha) que ninguém suportava, e ainda soltava umas baforada para cima do Banak, e olhava bem em seus olhos, não sei se foi por isto que ele acabou concordando com a nossa proposta!
Urra! Ficamos com dez mil e ele ficou com quarenta mil, “negoçião” não irmãos? Só não ficamos com a pista, o que foi uma pena!
Fizemos os documentos jurando que não haveria confronto, e fomos comemorar na mesa de um bar.
E foi assim que conseguimos” mais dez mil alqueires! Só que nossa alegria durou pouco pois lá veio o Lula e decretou uma reserva ecológica no tamanho de quatro milhões e quatrocentos mil hectares, bem em cima de nossas terras e tudo foi para o brejo.
É assim mesmo mano! Ainda não foi desta vez que eu me tornei um MILIONÁRIO!

Sorry!

Comandante Niltinho
é piloto de garimpo

 

2 comentários sobre “Comandante Niltinho: A Terra do meio !!!

  • Que bom ler mais uma de suas estórias Nilton! Muito interessante! Ah…. tenho saudades de voces!!! Ingrid

  • Interessante, é saber que foi assim mesmo que nosso pais ficou grande, sinto apenas é que nossa floresta esta se acabando.

Fechado para comentários.