Reportagem especial: Um década de medo !!!
Como os ataques terroristas de 11 de setembro mudaram o mundo e se refletem até hoje na geopolítica, na economia e no cotidiano
O Marco Zero, como é conhecida a área ocupada pelo antigo World Trade Center, ainda fumegava quando uma ofensiva militar americana, com o apoio de tropas do Reino Unido, do Canadá e da Austrália, foi lançada contra o Afeganistão. Governado pelo regime fundamentalista do talibã, o país dava abrigo ao líder do grupo terrorista Al-Qaeda, o saudita Osama bin Laden, responsável pelos ataques que acabaram com o sentimento americano de invulnerabilidade. Os radicais islâmicos foram derrubados do poder, mas até hoje os combates continuam. Minas e bombas caseiras espalhadas por insurgentes também ameaçam as tropas internacionais estacionadas no país. Só no primeiro semestre deste ano, 1,5 mil civis morreram no conflito. No mesmo período, as baixas militares somaram 418 estrangeiros, 306 dos Estados Unidos. Embora esteja em andamento um plano de desocupação do país, o conturbado cenário afegão não permite nenhum prognóstico positivo a curto prazo.
No Iraque, os Estados Unidos e seus aliados entraram em atoleiro similar 18 meses depois dos ataques. O argumento para invadir o país e derrubar o ditador Saddam Hussein foi a informação de que os iraquianos possuíam armas de destruição
As falhas dos serviços de inteligência americanos vêm de longa data. Logo após os ataques, o governo Bush promoveu uma ampla reestruturação desses serviços na tentativa de melhorar a comunicação entre eles. Um dos fatores que teriam impedido os Estados Unidos de frustrar os atentados de 11 de setembro foi justamente a falta de diálogo entre a CIA, a agência de inteligência do país, e o FBI, a polícia federal americana. “O 11 de setembro mudou a percepção de nossas vulnerabilidades”, disse à época o então vice-presidente Dick Cheney, um dos homens mais poderosos do governo. “Mudou o tipo de estratégia de segurança nacional.”
Cheney acaba de se alinhar à extensa relação de autores lançando obras nos dez anos do 11 de setembro. No livro, “In my Time: a Personal and Political Memoir” (Em minha Época: Memórias Pessoais e Políticas), o ex-vice-presidente defende os métodos de interrogatório adotados na guerra ao terror, incluindo o “waterboarding”, técnica de simulação de afogamento. Sua defesa pública de um método tão controverso é mais um reflexo das mudanças ocorridas na última década. A repressão violenta do terrorismo vem dizimando o núcleo duro da Al-Qaeda, mas atentados inspirados no ataques no território americano continuaram acontecendo, a partir de células terroristas autônomas. Foi assim nos atentados em série à rede de transportes de Madri, em março de 2004, e de Londres, em julho do ano seguinte. Em contrapartida, a caçada a Osama bin Laden durou quase dez anos. Só terminou no começo de maio, quando homens do Seal Team, uma unidade especial da Marinha americana, entraram no espaço aéreo do Paquistão, invadiram o esconderijo do líder da Al-Qaeda e saíram de lá com o corpo, que teria sido jogado no mar.
O mais visível reflexo do 11 de setembro, porém, ocorre nos aeroportos. Medidas extraordinárias de segurança foram adotadas de imediato pelos Estados Unidos. Afinal, armados com estiletes e objetos cortantes, 19 terroristas não enfrentaram dificuldades para embarcar nos aviões que depois sequestrariam. Atualmente, embarcar em qualquer voo, em praticamente qualquer aeroporto, implica se submeter a uma série de procedimentos, incluindo tirar os sapatos e não carregar nem a tesourinha de unha na bagagem de mão. Alguns aeroportos europeus e americanos também adotaram scanners corporais, alvo de críticas por permitirem a visão do corpo do passageiro debaixo das roupas.
Com o país ainda mergulhado em profunda crise econômica, o presidente Barack Obama pediu recentemente aos americanos que retomassem o espírito de união em vigor nos meses seguintes aos ataques. “Essa pode ser uma virtude duradoura”, disse Obama. O sentimento, no entanto, excluiu parte da população, segundo líderes da comunidade muçulmana dos Estados Unidos, que engloba dois milhões de pessoas. Eles não param de reclamar do discurso anti-islã que começa a permear a campanha pela sucessão de Obama. O projeto Park 51, que prevê a criação de uma mesquita a apenas dois quarteirões do World Trade Center, é também constante alvo de protestos. Por outro lado, embora tenham passado dez anos, as marcas dos ataques estão muito presentes. Das 2.753 vítimas, apenas 1.629 foram identificadas, a última delas no dia 9 de agosto. Moradores do entorno do World Trade Center continuam a sofrer os efeitos da poeira tóxica que inalaram com o desabamento das Torres Gêmeas. Na semana passada, aliás, o governo americano ampliou o raio de abrangência daqueles com direito a receber compensação financeira por terem a saúde abalada. Poucos dias antes, a passagem do furacão Irene por Nova York trouxe de volta o sentimento de insegurança e de medo experimentado de forma brutal há dez anos.