Comandante Niltinho

Comandante Niltinho: As panes !!!

 

 

 

O título desta história vem da quantidade de panes que o CZC apresentou após o seqüestro aos Apyterewa, por ter ficado abandonado na aldeia por muito tempo, maltratado por aqueles índios irresponsáveis, mortos de fome, bandidos, isto porque, somente criminosos é que seqüestram a coisas dos outros e exigem resgate, ”dim dim” (dinheiro) e, o que é pior, com o consentimento da FUNAI!

Para mim, estes indivíduos são bandidos mesmo, com toda a força da palavra, que me desculpem os que “idolatram” os índios, ou quem leva vantagem com eles, mas até parece que estão acima da lei, restando somente os brancos, a obrigação de cumpri-la!

Não sei, até hoje, o que a FUNAI fica fazendo na região afinal, neste país tudo é diferente! Estamos vivendo em regime que se diz democrata, só que está longe disto, até parece que estamos inventando um novo regime, que eu mesmo não sei como devemos chamá-lo!

Talvez tenhamos acabado de inventar o mais novo regime da América Latina, o “Anarqdemocrático”, que não passa da mistura de tendências tão diversas!

Onde o dinheiro fala mais alto, a corrupção está presente, de preferência na esfera política. O povo não tem saúde, a educação é terrível, as estradas encontram-se abandonadas, a insegurança ameaçando a população e, perdido mesmo é aquele que não têm o “cascalho” (dinheiro) para escapar das injustiças!

Desculpem-me pelo desabafo, quero ver acontecer com algum de vocês aí, o que aconteceu comigo! Gostaria de saber o que vocês pensariam do meu ato!

Também quero aproveitar este causo, para passar para os pilotos, tanto os mais jovens quanto os antigões, que muitas vezes ainda não se satisfizeram do desejo de voar, e se metem a atitudes das mais absurdas, ignorando todas as formas de seguranças da aviação, pensando que são suficientemente capazes de tomar as decisões sozinhas só porque anos atrás tiveram um avião e chegaram a voar, porém sem a oportunidade de adquirir sólida experiência para, sozinho, tomar decisões perigosas!

Administrar um avião sem experiência é muito difícil, e ainda mais para aqueles que só enxergam o sonho de voar! Doce engano, pois à partir daí, começam a cometer uma porção de irregularidades, infringem as regras de segurança, o que, para mim, é o que existe de mais importante da aviação!

Como naquele acidente da TAM no aeroporto de Congonhas, onde o Boeing varou a pista, atravessou a avenida e explodiu no prédio da companhia, matando todos!

Se fosse julgar aquele acidente, condenaria a TAM na pessoa do Chefe de Operações, que permitiu a decolagem do avião com pane de reverso! Pane é pane, a prioridade tem que ser sanar a pane! Se por acaso você se encontra em local onde não possa sanar a pane, faz um translado apenas com o piloto, qualquer piloto sabe disto, será que o Chefe de Operações não sabia?

Sabia sim senhor, porém os custos seriam altos, então, os passageiros que pagassem pelo translado, e assim, perante a companhia, ele seria agraciado com a medalha do “o cara esperto”, (lei de Gerson)!

Só que não ouve o translado e a companhia acabou matando aquelas pessoas, apenas porque, para ela, os custos são mais importantes do que vidas humanas! Se pensa assim, então a empresa tem que pagar pelas vidas dos passageiros, é o que deve ser imposto para a TAM!

Pagar pela irresponsabilidade de seu Chefe de Operações, agravada ainda, por arriscarem o pouso numa pista curta, molhada, à noite e com muita chuva, e sem os freios normais! Isto é uma loucura! Até mesmo qualquer piloto de garimpo não entraria nesta, nem morto!

Agora respondam-me:“Isto não ia acabar em problemas?” É fácil deduzir! Neste caso, você conta apenas com a sorte o que, vamos dizer, representa metade do risco pois, a outra metade, você já queimou não podendo contar com todo o reverso operando normalmente.

E sem a sorte para livrar a cara de mais um irresponsável, deu no que deu! Quando decolávamos para uma pista no garimpo a primeira coisa que testávamos, ainda na decolagem eram os freios! E na hora do pouso, lá em cima, testávamos novamente, verificando eventuais falta de óleo na linha ou alguma bolha de ar, tudo isto de medo dele falhar, pois tínhamos a exata consciência de que, eram os freios que iriam parar o avião e não o tamanho da pista! Isto não tínhamos, como não tinha o piloto da TAM! A pista era curta, e o pobre piloto foi obrigado a pousar naquele aeroporto, e não em outro, logo ali embaixo do seu nariz, muito maior, mais seguro, e que, neste caso, teria pista de sobra para ajudar a parar o avião!

Porque ele não alternou para outro aeroporto, sabendo que estava com pane de um reverso? Para mim, é a companhia que detém o comando das decisões e não o piloto! Assim sendo, a culpa pelo acidente, deve ser creditado à empresa!

Porém, se o piloto tivesse alternado o aeroporto, seria imediatamente advertido ou até mesmo mandado para o olho da rua, pois iria causar aumento de custos!

E, pior ainda, todas as ocasiões em que o piloto prioriza os custos, abandona a segurança e aí meu irmão vai ocorrer aquilo que chamamos de “lenhada”!

Se estivesse no lugar do Comandante da TAM, mandaria a companhia à “merda”, e alternava para outra pista, salvando minha vida, a de meus tripulantes e, principalmente a dos passageiros! E dane-se a empresa!

Já ouvi pilotos mais antigos, dizerem que um avião parado por muito tempo, estraga muito mais do que aquele que está voando, vocês acredita nisto? Não? Comprem então um avião parado por muito tempo e ponham para voar! Você vai entrar na maior enroscada da vida, vai morrer de tanto gastar dinheiro, sem falar das panes, em vôo, que vai enfrentar! Não acreditam? Comecem a acreditar, pois tenho vários exemplos a dar!

O primeiro deles aconteceu quando um parente, Raul Meireles, comprou um Skyline que, por estar parado há muito tempo no Hangar de Tupi Paulista, colou os anéis e teve que abrir o motor!

Comigo, precisamente com o CZC, após ter ficado apenas noventa dias parado, só deu conta de sair da aldeia e ir para Redenção e voltar para Tucumã, (até parece que queria sair mesmo da aldeia) até ai ele não apresentou defeito nenhum mas, logo depois, quase me derrubou apresentando uma série de panes diferentes!

A primeira ocorreu quando fui fazer um vôo para o Irirí e na volta, sei lá porque, ele começou a ratear, de forma tão violenta, que por várias vezes achei que o motor iria apagar! Mal dei conta de chegar a Ourilândia, e só fiquei mesmo, muito assustado, quando meu mecânico “Pistolinha”, após ter drenado os tanques, mostrou-me a sujeira ali encontrada! Tinha até pedaço de borracha!

Aí pergunto, como isto foi aparecer após ter voado umas quatro horas, porque esta pane não ocorreu logo que meus amigos deram partida para saírem da aldeia? Sinceramente não entendi.

Feito esta limpeza nas linhas e nos tanques, achei que seria o suficiente e parti para outro vôo, este mais longe e mais pesado, levando mercadorias para um pessoal de Goiânia, que estava abrindo uma fazenda quase à beira do Rio Iriri, na divisa dos índios caiapós!

Gastei uma hora e meia de vôo, e na volta a coisa “fedeu”! Após a decolagem, o CZC começou a ratear de novo, só que agora, estávamos longe demais de Ourilândia e, imaginando que não ia dar, tratei de pousar na pista do Deputado, para checar o defeito, e foi aí que notei que o estabilizador estava emperrado e o avião ficou todo picado!

Foi aquele sufoco para pousar e, como ninguém veio para a pista, e eu ali sozinho, pensei, não vou ficar aqui nem morto! Só de pensar em ir a São Felix buscar um mecânico, fiquei tenso! E dinheiro para gastar, se havia gasto uma fortuna com os índios! É o que sempre digo “blefado não pode ter avião”, é um perigo!

Mexi no profundor, precisamente na chapinha do estabilizador, deixando no neutro e achei que estava bom! “Vou-me embora e seja o que Deus quiser, aqui é que não vou ficar mesmo!” Quanta loucura não é, e ainda me perguntam se tenho saudade de voar! Eu? Claro que não!”

Decolei, peguei o rumo para São Felix, subindo até chegar nos 5500 pés e nivelei pensando: “aqui em cima estou mais seguro!” Só que não demorou muito, e o CZC começou a dar sinais que continuava “doente”, tossia, rateava, esperneava, mas seguia voando! Este avião era mesmo uma maravilha!

E lá vou naquela peleja, rezando para não aparecer mais nada, quando ouço um estalo tão grande, que quase coloquei os bofes para fora, e aí irmãos, a coisa pegou de fato pois, depois do estalo, parou de ratear e deu uma empinada tão grande, que pensei que íamos fazer um “lupping”!

Forcei o nariz para baixo, usando toda a minha força, não deixando que completasse a volta e, tentei fazê-lo voar na horizontal, imaginando logo, que o cabo do estabilizador havia se rompido e travado o estabilizador!

Lembrei-me então, de um velho piloto, de nome Evercindo Barros, que contava que, uma vez, vindo de Altamira para Goiania, o avião queria apagar, e ele então, deu um tapa no painel e disse:

“ – Olha aqui “seu cabritinho” Se você cair aqui eu vou te abandonar, e não pense que eu volto para buscá-lo!” Aí então, o avião voltou a voar bem novamente. “Sabe como é senhor Gim, tem hora que o piloto tem que conversar com o seu avião!” Disse para meu pai.

E agora tinha chegado a minha vez. Só que eu não sabia como conversar, só me restava rezar e foi o que fiz. Rezei para que tivesse calma e que tivesse forças para aguentar o vôo até São Felix, distante cerca de quarenta minutos!

Nestas horas, nas quais você está sozinho, passando por toda aquela agonia, vêm à mente, a lembrança de muitas coisas boas e ruins que você passou, vem a lembrança de sua mãe primeiro, depois de seu pai, enfim, você quer ouvir a voz de um semelhante pois, penso eu, na hora da morte, ninguém quer ficar sozinho, nem eu!

Naquele momento sentia-me bem sozinho, e acho que, se tivesse alguém comigo, seria mais fácil mas como eu estava só, me restava ao menos ouvir a voz de algum colega e foi isto que fiz: abri a fonia, à procura de alguém, e olhem quem me socorre, o Hélio, piloto muito experiente!

Não menosprezando outros colegas, acredito que ele era o melhor de todos nós, não somente pela sua capacidade técnica, como também pelo caráter e espírito de companheirismo que tem em si!

E foi ele que me trouxe calma, confiança, e ficou até o fim de meu voo, dando-me instruções para que eu pudesse sair daquela enroscada.

“ – Niltinho, onde você está? Dê-me sua posição!
– Hélio, estou perto da fazenda do Deputado, há 30 minutos de São Felix e, dez minutos após a decolagem, ocorreu pane de alimentação, que por hora melhorou! O pior é que o cabo do estabilizador quebrou e deixou o avião todo cabrado e já estou perdendo as forças para mantê-lo na horizontal! É só afrouxar o manche que ele quer subir! E não sei se vou aguentar por tanto tempo, acho que vou cair, quero que você me acompanhe até o final, ok?
– Calma Niltinho, você não vai cair não, isto já aconteceu comigo uma vez, coloque seu joelho entre você e o manche e descanse os braços, revezando, quando cansar!”

Cara, eu não tinha pensado nisto!

“ – Hélio, obrigado! Melhorou muito!”

E naquele sufoco, olhava para o GPS e via o tanto que faltava, ia batendo o desespero, e pensava: “Será que chegou minha hora ? Meu Deus!”

Avistei uma pista, (da Cebolinha), só que a danada era curta demais, naquelas condições eu precisava de uma pista bem grande, não saberia dizer como seria o arredondamento na hora do pouso, teria que ser na pista de São Felix.

De vez em quando meu “anjo da guarda” me chamava:

“ – Como está aí, Niltinho?
– Vai indo Hélio, você já chegou a São Felix?
– Já, vou aguardar sua chegada!”

Cara, vocês não imaginem o quanto aquelas palavras me ajudaram! Sinceramente estava muito cansado, tanto no físico como na mente, pernas e braços doloridos, aquela carga estava muito pesada para mim, pois a luta para me salvar e ao CZC estava sendo grande demais. Meu consolo era que o Hélio estava ali e se acontecesse alguma coisa, viria tirar-me da mata, situação que causava-me medo! Medo de cair e desaparecer nas entranhas da floresta!

“Estou salvo”! A alegria foi tanta quando avistei o rio Xingu! Como estava muito alto, fui reduzindo o motor e com isto, aliviando a pressão que tinha que usar e com a redução da potencia, dificultava o avião de subir o nariz! Quanto mais chegava perto da pista, mais reduzia, e assim foi, até que pousei!

Ao abrir a porta, lá estava meu amigo, meu “anjo da guarda”, para me dar um abraço! Hélio, essa nunca vou esquecer, cara, te devo muito!

E assim meus amigos, resolvi que tinha chegado a hora do CZC ir para o “Hospital”! Não existe uma coisa que faça tão bem para um avião, como mandá-lo para uma oficina homologada! Muita gente acha ruim, porque lá você não manda no avião, e acaba gastando muito! Quem manda é a oficina e quem controla a oficina é o DAC, e é assim que tem que ser, pois está provado que manutenção não pode ficar por conta do dono do avião! Avião não é caminhão que você dá uma “guaribada” qualquer e põe para rodar! Quem faz isto com avião, acaba pagando preço bem alto!

E após ter feito uma boa Inspeção Anuyal de Manutenção (IAM), na oficina de meu amigo Junqueira, na cidade de Marabá, o CZC voltou a ser o que era: UM BOM AVIÃO!

Em tempo: Meu amigo e anjo da guarda Hélio, voou por muito tempo na Sete Taxi Aéreo, justamente num avião hospitalar (salva aéreo), ajudando a salvar muitas outras vidas!

OBS.: O Comandante Niltinho nos informa hoje, que os colonos da reserva dos indios Apiterewa, fecharam a estrada que liga Ourilandia do Norte a Xinguara, reclamando indenizações não pagas pela Funai e, na cidade, já falta gasolina e óleo diesel, faltando pouco para acabarem os alimentos! Só que dessa vez, o “Niltinho piloto”, não tem nada a ver com isto!
Comandante Niltinho
é piloto de garimpo

Um comentário sobre “Comandante Niltinho: As panes !!!

  • eu acho que os parentes das vitimas e dos pilotos, deveriam ler esta historia, talves dariam um pouco de consolo. e saberem afinal de quem é a culpa da perda de seus entes queridos.

Fechado para comentários.