Lista Negra denunciando domésticas babás em SP, lembra greve da GM em 1985
“Não Contratem: Ela tem graves problemas psicológicos, de depressão […] e um problema grave com religião, mora com um pai de santo em um terreiro de macumba.”
Esta mensagem foi enviada em um grupo de WhatsApp formado por moradoras de um condomínio de luxo de São Paulo. Começava com a frase “NÃO CONTRATEM”, escrita em letras garrafais, e era acompanhada pelo nome, contato e foto de uma babá. Nas redes sociais e aplicativos de mensagens, este conteúdo é conhecido como “lista suja” de trabalhadoras domésticas, alimentada e divulgada por patroas.
Na semana passada, o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) confirmou a existência da lista suja em uma ação de fiscalização em quatro condomínios de luxo na cidade de São Paulo, onde viviam patroas identificadas repassando conteúdo difamatório contra suas ex-empregadas. “Isso mostra a abrangência dessa prática na cidade”, lamenta Livia Ferreira dos Santos, auditora do MTE que participou da operação.
Durante a fiscalização foram feitas seis autuações trabalhistas: por falta de registro em carteira de trabalho, ausência de controle de jornada e de recolhimento de FGTS e INSS. A reportagem teve acesso a dezenas de textos e áudios postados em grupos do WhastApp. Além das babás, nomes de cuidadoras de idosos também aparecem nessas trocas de mensagens. “Problemas com ronco”, “comilona”, “gordinha”, “dupla personalidade” e “mentirosa” são alguns dos fatores apontados pelas empregadoras para sugerir que não contratem determinada trabalhadora.
Acusações de roubo, supostas passagens pela polícia —sem apresentação de prova nenhuma— também fazem parte dos motivos alegados pelas patroas na tentativa de colocar estas mulheres no ostracismo. O impacto na vida de babás e cuidadoras de idosos que entram nessa lista é devastador. “Eu saí do meu último trabalho em dezembro e imediatamente comecei a procurar outro. Todas as entrevistas que eu fazia, três, quatro por semana, eram bem produtivas, as patroas davam confiança, se comprometiam [com a contratação] e diziam que gostavam do meu trabalho”, recorda Joana*. Mas depois, silêncio, nenhuma resposta.
“E foi assim em dezembro, janeiro, fevereiro? Eu nunca fiquei tanto tempo sem trabalho”, revela. Meses depois ela descobriu o que havia acontecido. “Uma colega me falou: ‘Olha, Joana, eu falei com minha patroa pra te ajudar, e ela disse que você não vai arrumar emprego mais porque está em uma lista de babás pra não contratar’.”
Desempregada e sem perspectivas, Joana se viu encurralada. “Entrei em pânico, fiquei com depressão, não queria nem ver a luz do dia. Tenho 61 anos, estou para me aposentar. Na reta final ter que passar por isso? É muito humilhante.” Foi o conteúdo difamatório que chamou a atenção do MTE. “É importante coibir estas listas, que são completamente ilegais e discriminatórias. Muitas vezes trazem comentários sobre a vida pessoal das trabalhadoras, e há risco de fake news, porque as informações não são checadas, são apenas passadas para frente”, observa a inspetora Santos.
Em vários casos, a cobrança por direitos trabalhistas serve de justificativa para a entrada na lista suja: “Jamais contratar! Mentiu que a mãe teve AVC e morreu, ficou semanas sem trabalhar e entrou na Justiça pedindo R$ 50 mil”, diz uma mensagem. “Trabalhou 12 dias na casa de uma amiga e entrou na Justiça pedindo R$ 16 mil em verbas rescisórias sem motivo algum”, aponta outra.
Conversas em grupos de WhatsApp contra domésticas Imagem: Reprodução Na visão do Sindicato das Empregadas Domésticas do Município de São Paulo, além da difamação, a lista impõe uma perseguição política às trabalhadoras domésticas. “Os principais alvos são aquelas trabalhadoras mais informadas, que conhecem seus direitos. Aquelas que informam às colegas: ‘Olha, você tem direito a hora extra, adicional de viagem, adicional noturno'”, avalia Zenilda Ruiz da Silva Silveiro, coordenadora jurídica da entidade.
Sindicato quer levar caso à Justiça Auditores fiscais do Trabalho apontaram infrações trabalhistas em inspeções feitas em condomínios de luxo onde empregadoras que espalham a “lista suja” Imagem: Lela Beltrão Não é possível estimar quantas babás são atualmente vítimas das listas sujas. O Sindicato das Empregadas Domésticas do Município de São Paulo está coletando casos e provas, para acionar as empregadoras na Justiça. “O que estas patroas estão fazendo é crime.
É calúnia, injúria, racismo, danos morais, falsa imputação de crime…”, acredita Silveira. Ela orienta que as profissionais afetadas procurem o sindicato para obter auxílio jurídico. “É preciso lembrar que essas mulheres não podem ficar desempregadas. Muitas vezes são elas que sustentam suas casas, que pagam o aluguel. São as chefes de família.”
A situação bem lembra outra, ocorrida em Abril de 1985, quando começou uma paralização na fábrica da GM em São José dos Campos, oportunidade em que a empresa lançou uma nota à imprensa, comunicando a demissão de 95 empregados, inclusive alguns, por justa causa, o que agravou o movimento dos grevistas, que, diante das forças policiais que cercavam a área da empresa, prepararam as instalações para a resistência, havendo relatos de que alguns grevistas estavam alegadamente estavam armados, carros com estopa no tanque de gasolina, áreas internas com thiner espalhado no chão. e por aí vai.
Logo após o encerramente da greve, em início de Maio de 1985, começou a correr junto às áreas de Recursos Humanos de várias empresas da região valeparaibana, uma lista sigilosa apócrifa, relacionando 33 nomes de ex-empregados da GM de São José dos Campos, cuja contratação deveria ser evitada, por conta do nível de responsabilidade e agressividade praticados, durante a paralização.