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Crônica para a família militar, baseada em fatos reais: O sargento e os três coronéis!!!

O dia 14 de dezembro poderia ser uma data qualquer na História ou na minha vida, mas não. Poderia já estar repleto de significados se fosse considerado tão somente o dia do falecimento do meu pai, mas não: foi o dia em que eu e os meus irmãos resolvemos mudar as nossas vidas.

E isso ocorreu há exatos 44 anos, na manhã do dia 14 de dezembro de 1977, lá no Hospital Central do Exército – HCE, onde o 1º Sargento JESUS THIAGO DOS SANTOS, nosso saudoso pai, acabara de falecer.

Essa não é a história de um veterano da Força Expedicionária Brasileira, de um herói de guerra, nem tampouco a de uma grande personalidade ou autoridade militar, nem de algum militar que tenha realizado muitos cursos ou recebido muitas condecorações. É apenas a história de um simples sargento do Exército, que não teve tempo de completar o serviço ativo e nem de ver os seus filhos crescerem, para se tornarem, aparentemente, muito maiores e melhores do que ele foi.

E vou lhes contar um pouco dessa história para que vocês não acreditem quando lhes disserem que um Sargento não faz muita coisa e, ainda, para que vocês acreditem que com esforço tudo é possível.

Na maioria das vezes, as pessoas medem as suas possibilidades, e fazem os seus planos, baseados somente no tempo estimado de duração das suas vidas biológicas. E medem os seus sucessos e vitórias baseados apenas no crescimento individual e no acúmulo de bens materiais.

Mas a verdade é que não podemos nos dar ao luxo de avaliarmos as nossas vidas e fazermos os nossos projetos nos referindo apenas à individualidade, ou pensando apenas no acumulo de bens materiais, desprezando o contexto da família, da nossa geração, das boas coisas da vida, que geralmente são de graça.

Deste fato, emerge a obrigação de observamos, estudarmos e planejarmos as nossas vidas individuais contextualizadas na sociedade e nas gerações que se sucedem, para entendermos e construirmos a História.

Muitas pessoas vivem muito tempo, mas fazem pouco ou nada. Outros vivem pouco, mas fazem muito. Resumindo: o tempo passa na mesma velocidade para todos, mas a História é construída apenas por algumas poucas pessoas.

Por isso, muitas vezes, contidos na nossa insignificância individual, não entendemos o momento e ficamos sem aceitar, ou sem participar dos fatos que ocorrem durante as nossas existências.

Por estes motivos, a História sempre se lembra das pessoas que fizeram ou tentaram fazer coisas e daquelas que viveram para o próximo, mas nunca se lembra daquelas pessoas que apenas tiveram coisas ou que viveram apenas para si mesmos.

Depois dos meus cinqüenta anos de idade e de tudo que enfrentei, chego à conclusão que é melhor fazer a História, participando e tendo encarado derrotas, tentando melhorar as coisas, do que viver à sua margem, tendo deixado o tempo passar, sem ter feito nada, sem ter contribuído com nada nem com ninguém. E, graças a Deus, foi isso que eu e os meus irmãos fizemos, desde cedo, motivados pelas orientações que tivemos.

E isto me faz lembrar e entender melhor o dia “14 de dezembro” e “três gerações da minha família”, enquadradas no período entre 1956 e 2021: a do meu pai e da minha mãe; a minha e dos meus irmãos; e a dos meus filhos e sobrinhos.

O meu pai, JESUS THIAGO DOS SANTOS, nasceu em 1936, no RIO DE JANEIRO – RJ, e ingressou no Exército Brasileiro em 1956, como Soldado, tendo percorrido brevemente a carreira militar até chegar à graduação de 1º Sargento de Material Bélico.

Recordo-me bem quando, nos idos de 1975 e 1976, ainda criança, lá na vila militar do 16º Regimento de Cavalaria Mecanizado – 16º RCMec, em BAYEUX – PB, todos os sábados, o meu pai fazia uma pequena formatura comigo e com os meus três irmãos e nos atribuía missões e responsabilidades: o mais velho, JAMES, ia varrer o quintal, eu, WELLINGTON, ia cortar a grama do jardim, o GLADSTONE, limpar uns enfeites em cima da televisão, e a ALINE, a mais nova, ia ajudar a nossa mãe na cozinha. Ao final das tarefas, ele fazia novamente a formatura, conferia tudo e dizia: “filho meu, homem, quando completar 18 anos, deve estar estudando ou trabalhando, caso contrário, é RUA!”.

Naquele tempo, eu tinha apenas 7 (sete) anos. E nós nunca deixamos de ser crianças e nem nunca nos sentimos ofendidos por aquilo, porque sabíamos que o que ele dizia era para o nosso bem, para que nos preparássemos para a vida.

Quando faleceu, no dia 14 DEZ 1977, ele ainda estava na ativa, contava 21 (vinte e um) anos de serviço, e servia no 18º Grupo de Artilharia de Campanha – 18º GAC, de RONDONÓPOLIS – MT, e só havia recebido a Medalha Militar com passador de bronze, relativa aos 10 (dez) anos de serviço. A de Medalha Militar com passador de prata, a que ele já fazia jus, a minha mãe só viria receber meses depois da morte dele, pelos correios.

Nossa mãe, eu e os meus três irmãos, ainda crianças, tivemos que readaptar as nossas vidas em tudo para podermos encarar os desafios dos anos seguintes, sem o nosso pai e provedor, e sem a ajuda de quase ninguém. Não tínhamos casa própria, nem carro, nem seguro, mas tão somente o sobrenome e a pensão, deixados pelo nosso pai, reforçados pela fé em Deus e a firme determinação da nossa mãe, a Sra. MARIA DO CARMO DOS SANTOS, hoje com 79 (setenta e nove) anos. Até hoje, quando temos a curiosidade de ver o atestado de óbito do nosso pai, a parte que mais chama a nossa atenção é a parte final: “Observações: Não deixa bens, deixa quatro filhos menores de nomes: James, Wellington, Gladstone, e Aline”.

Recordo-me da nossa mãe nos ter dito que o nosso pai, antes de morrer, lhe houvera pedido para que “caso acontecesse algo com ele, nos matriculasse no Colégio Militar”. Pouco tempo depois, ele morreu e ela assim o fez, no Colégio Militar do Rio de Janeiro – CMRJ.

Entre os anos de 1978 e 1988, nós três, eu, WELLINGTON CORLET DOS SANTOS – Al. Nº 3019, e os meus irmãos JAMES CORLET DOS SANTOS – Al. Nº 659 e GLADSTONE CORLET DOS SANTOS – Al. Nº 3016, estudamos naquele educandário, e nossa irmã ALINE CORLET DOS SANTOS, na Fundação Osório.

Durante aquele tempo, fomos alunos Gratuitos-Órfãos (GO), internos, atletas, graduados oficiais-alunos, porta-estandarte do CMRJ, todos altamente dependentes da Obra do Estudante Pobre – OEP.

Por sermos carentes de todos os recursos, recebíamos uniformes, merenda, livros do Colégio. Até mesmo para cortar o cabelo precisávamos pedir um vale-corte de cabelo ao Subtenente da nossa Companhia.

Um pouco dessa história no CMRJ, repleta de muito sacrifício e momentos gloriosos, foi tema do livro “A PROFANA ORDEM DOS MENINOS DOS PÉS DESCALÇOS DA IRMANDADE ENCLAUSURADA DO TORREÃO” (ISBN 978-65-87960-01-2), dedicado aos meus “irmãos” de internato, aos nossos professores, aos nossos monitores e a todos que contribuíram com a nossa educação e formação.

Por esse tempo, entre 1977 e 1985, tivemos um grande incentivo, para a carreira militar, do nosso tio, Tenente QAO LUIS CARLOS DOS SANTOS (Pqdt nº 4.460, de 1958), hoje com 82 (oitenta e dois) anos, o “Vovô” ou “Cotonete” da baiúca, do Batalhão de Dobragem, Manutenção de Pára-quedas e Suprimento pelo Ar – B. DOMPSA, que vez por outra nos levava lá para a baiúca para acompanhar os trabalhos, para ver os saltos, para atrapalhar as “cocotas”, para quebrar muito isopor e para “arrebentar” a conta dele na cantina. Nessa época, pudemos contar, também, com a indispensável ajuda da tia Sra. MILA SANTOS COSTA, que muito nos apoiou com inúmeros passeios nas férias e até com os ternos com que nos apresentamos no primeiro dia na AMAN. Não tem como esquecer.

Após o Colégio Militar do Rio de Janeiro, inspirados no nosso falecido pai e no nosso tio, os três homens, optamos por seguir a carreira militar e, entre os anos de 1986 e 1992, frequentamos a Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN, cadetes de Caxias nº 519 JAMES, 1333 WELLINGTON e 1546 GLADSTONE.

Na AMAN, certa ocasião, quando cursava o 1º ano, aborrecido com as pressões normais a que os cadetes eram submetidos, telefonei para a minha mãe e disse: “mãe, estou com vontade de pedir desligamento! Estou cansado disso tudo!” Ela, imediatamente, me respondeu: “olha, o seu pai entrou no Exército como soldado, ficou lá 21 anos e morreu como sargento. Se você ficar aí apenas 4 anos, sai como oficial, muito mais do que o seu pai foi!” Eu, aliviado e mais motivado, lhe respondi: “É, matematicamente você tem razão!” A partir dali, “fui ficando” e cumprindo a minha missão.

Até hoje, penso na importância dessas palavras, principalmente porque sei que a minha mãe só havia estudado até a 4ª Série do ensino primário, na Paraíba.

Eu e meus irmãos conseguimos concluir o curso da AMAN. Chegamos ao aspirantado, mas não tínhamos dinheiro para comprar as nossas espadas. Estas, as três, nos foram presenteadas pelo marido da nossa saudosa tia JEANETTE, irmã do nosso pai, o já falecido Coronel JOSÉ FERREIRA GUIMARÃES, da Polícia Militar do Estado de São Paulo – PMESP, da turma de 1953, da Academia de Polícia Militar do Barro Branco.

Até hoje, resistem os fortes vínculos de admiração, respeito, gratidão e orgulho dos “TRÊS CORONÉIS” do Exército pela tradicional POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO e pelos tios e primos GUIMARÃES, de Taubaté – SP, que deram três brilhantes oficiais a essa instituição: o Cel GUIMARÃES, já citado, o filho dele, Cel LUIS AUGUSTO GUIMARÃES, da turma de 1981, já na reserva, e o Tenente EULER GUIMARÃES, ainda na ativa.

Hoje, 14 DEZ 2021, passados 44 anos da morte do nosso inesquecível pai, olhamos para o caminho percorrido, desde então, e podemos ver um grande legado originado por um simples Sargento de Material Bélico: três coronéis de Infantaria QEMA, que contribuíram com o Exército Brasileiro, com a Nação Brasileira e com a humanidade, em diversas missões importantes, tais como a Missão de Paz em Angola (UNAVEM III), a Missão de Paz no Haiti (MINUSTAH), os Serviços Nacionais Relevantes correspondentes ao tempo passado em Angola, na Amazônia e no Pantanal, o Tempo passado em Comando de Organizações Militares, e o tempo passado servindo em Grandes Unidades ou Unidades do Exército.

Neste contexto, no que se refere à Região do Vale do Paraíba destaco, ainda,   os serviços prestados, entre 2009 e 2012, por este autor, então, Tenente-Coronel WELLINGTON, no Comando da 12ª Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel), em Caçapava – SP, ocasião em que exerci diversas funções no Estado-Maior Geral do comando da brigada, tendo sido oficial de operações na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do HAITI (MINUSTAH) e, posteriormente, nomeado Chefe do Estado-Maior Geral, entre 12 JUN e, coincidentemente, 14 DEZ 2012.

Se não fizemos mais, foi porque não nos foi permitido, mas os “TRÊS CORONÉIS” temos a plena convicção de que tentamos até o final das possibilidades e que trabalhamos, diuturnamente, não para fazer as nossas carreiras individuais, mas para melhorar as vidas dos outros. Portanto, não fizemos carreira no Exército, mas tão somente servimos à Pátria.

Penso que, antes de 1977, nem o nosso pai, nem nossa mãe e nem tampouco nenhum de nós três sonharia, ou sequer imaginaria, o que estaria por vir ou o que seríamos capazes de fazer. Aquele ano de 1977, que pela providência divina mudou as nossas vidas, trouxe também a “água que foi transformada em vinho, o melhor vinho”: o discernimento para transformar as dificuldades em oportunidades.

Hoje, para nós, os filhos e netos, nunca será demasiado prestar as justas homenagens ao nosso querido e inesquecível pai Sargento JESUS THIAGO DOS SANTOS e à nossa querida e muito amada mãe Sra. MARIA DO CARMO DOS SANTOS que, praticamente sozinha, dedicou a vida para que nós fossemos o que somos hoje.

Hoje, somos muitos. Nós e a próxima geração já estamos encarando os novos desafios.

Esta é uma mensagem que deixo para as próximas gerações da família, para relembrar o Sargento JESUS THIAGO DOS SANTOS, e para lhes mostrar que, com um pouco do motivação e fé, tudo se pode fazer, mesmo que demore um pouco ou que fique para as próximas gerações.

Para mostrar que nem sempre o homenageado ou o herói é uma autoridade, um General ou um coronel. Pode, também, ser um Subtenente, um Sargento ou um Soldado, ou qualquer cidadão, sempre que ele mereça, estando vivo ou morto, no dia a que fez jus ou muitos anos depois.

Para mostrar a importância e a força de uma família e da educação: orientar um filho ou aluno é despertar e estimular a energia potencial que cada um deles tem dentro de si. Essas atitudes possibilitam prever e provocar os bons resultados.

E, também, para mostrar para todos os leitores a importância de cada indivíduo. Por menor que ele possa parecer nas nossas “hierarquias sociais”, existe em cada pessoa um potencial latente, independente da sua aparência, idade, cor, sexo, condição social, das roupas que usa, do dinheiro que tem ou que não tem, ou do trabalho que faz. Este potencial está diretamente ligado aos valores dessa pessoa e à sua dedicação para alcançar os seus objetivos.

Ninguém nasce ornado de grandeza, porque esta é construída ao longo dos anos com muito sacrifício, nada tendo a ver com riquezas materiais e nem sempre com o que consideramos “vitórias”, mas tão somente com dedicação, valores, zelo, e dignidade nas lutas e realizações diárias, muitas vezes “recompensadas com derrotas”.

Muito obrigado, PAI, Sargento THIAGO: se no passado, nunca cansastes de cumprimentar os seus superiores hierárquicos com as suas continências, fique tranquilo porque, hoje e sempre, o senhor faz jus e recebe as mais vibrantes continências de três coronéis de Infantaria QEMA e de um tenente do 25º BIPqdt, seu neto, além das homenagens e respeitos de toda nossa família, sua descendência.

A nossa vitória é permanente: é apenas tê-lo tido como PAI, e a Dna. Maria do Carmo como MÃE.

Na verdade, não somos e nem nunca seremos maiores ou melhores do que vocês foram ou são, apenas demos continuidade ao que vocês fizeram. Muito obrigado.

Então, se um dia lhes disserem que um Sargento não faz muita coisa, não acreditem, porque o meu pai fez TRÊS CORONÉIS DE INFANTARIA!

Que venham os novos desafios!