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Citroën único no Brasil é achado em sítio e reforma custará preço de um SUV!!!

Os portões da Vintage Garage são uma espécie de fronteira fictícia: antes deles estamos na zona norte de São Paulo; ao atravessá-los, caímos, sem escala ou fuso horário, direto na França. Rente a uma parede da oficina especializada em restaurar relíquias da Citroën, um DS 19 de 1967 (raro por marcar a transição dos faróis simples para os duplos, com dois auxiliares a tiracolo) aguarda sua vez. Adiante, um XM está nos finalmente para voltar a flanar por aí com sua sofisticada suspensão hidropneumática.

Ao lado, um SM sem o capô espera um ajuste fino no complexo motor Maserati V6 que o equipa. Depois de desviar de um 2CV aqui e de um CX ali, chega-se a um Traction Avant quase irreconhecível. É tanta ferrugem, tantos castigos do tempo que se não fosse Jonathas Russomano, proprietário da Vintage Garage, a revelar que aquilo é um raríssimo 7CV Familale, jamais saberíamos. Assim como jamais se soube da trajetória desse Citroën entre seu.

Assim como jamais se soube da trajetória desse Citroën entre seu desembarque por aqui e o resgate, há cinco anos, de um sítio na região Sul. “Entre 1920 e 1933, a Citroën teve diversos agentes no Brasil. Mas, justamente em 1934 (ano em que lançou o Traction Avant na Europa), a marca francesa estava sem nenhum representante por aqui. Só depois da Segunda Guerra é que a Citroën voltou oficialmente ao Brasil, desta vez com força total, por meio da empresa Automóveis Citroën Ltda, que tinha sede no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro”, dá uma remota pista o jornalista Jason Vogel, entusiasta e estudioso da história da Citroën. 

“Para o Brasil vieram basicamente os Légère e algumas unidades do Normale, dos quais creio que existam apenas oito por aqui atualmente. Os Familiale não vieram oficialmente. Conhecemos apenas este e mais um”, complementa Russomano. Os sobrenomes indicam o tamanho da carroceria. Restauração cara e demorada Russomano conta que a missão de ressuscitar um carro tão raro chegou no ano passado, ao avaliar as condições e a estratégia para restaurá-lo. Foi quando trouxe o Traction de Curitiba para a sede da Vintage Garage.

“O primeiro desafio que enfrentaremos será a reconstrução de toda a parte de metal da carroceria. Não há peças prontas para comprar e substituir aqui no Brasil, e por isso todo o processo será artesanal. Será possivelmente a etapa mais demorada e complicada, devido ao péssimo estado em que o veículo se encontra. Muitas partes do carro praticamente desapareceram por conta da ferrugem e terão que ser reconstruídas”, detalha o profissional. Na sequencia vêm: pintura, motor, câmbio, suspensão, direção, elétrica e tapeçaria – tudo de volta ao estado original. Nada deverá escapar.

“Os pneus aro 400, que ficam entre o aro 14 e o 15, não podem ser encontrados no Brasil, mas a Michelin ainda os fabrica. Nós importaremos esses pneus para que a restauração atinja os 100 pontos, dos 100 possíveis”, garante Russomano.  O dono do carro, um médico colecionador de Citroëns (que tem outros Traction, alguns prontos e outros a restaurar) precisará de paciência: todo o processo deve levar em torno de dois anos para ser concluído. E o investimento tampouco será baixo. “O custo total de restauração de um veículo como esse é muito relativo e volátil, mas não sai por menos de R$ 150 mil”, calcula o restaurador.

Apresentado em abril e lançado em maio de 1934, o Citroën Traction Avant foi o pioneiro em unir tração dianteira e carroceria monobloco,  a configuração ora dominante entre os automóveis. Provavelmente alguma outra marca teria enxergado os benefícios de um carro com carroceria monobloco e tração dianteira. A inglesa Alvis em 1928, a estadunidense Cord em 1929 e a alemã DKW em 1931 já tinham modelos cuja força motriz estava nas rodas da frente. Antes do Traction, portanto. Mas o fato é que partiu da Citroën unir as duas soluções em larga escala. 

O Traction Avant estreou com a versão 7A, equipada com um motor 1.3 de 32 cv, seguida pelas variantes 7B e 7C, mais potentes. Depois veio o 11CV – o número se referia ao sistema europeu de taxação por cavalo-vapor, baseada não na potência, mas no tamanho dos cilindros do motor. O câmbio era manual, de três marchas, cuja alavanca saía do painel.  Como a Segunda Guerra interrompeu a produção civil de automóveis, o ritmo da planta de Quai de Javel foi reduzido em 1940 até parar de vez, no final de 1941. As coisas voltaram ao normal lentamente em 1945 com o 11 e com o 15, em 1946. Daí a raridade dos 7.  Em julho de 1957, após 23 anos, quarto meses e quase 760 mil exemplares fabricados, o Traction Avant se aposentou.