Comandante Niltinho

Comandante Niltinho: A depressão!!!

 

Dias atrás sentei-me na frente do computador para contar uma nova história, mas não dei conta de continuar, pois estava me sentindo um trapo, triste, tinha passado o dia inteiro pensando nas bobagens que venho fazendo por esta vida afora, parece até que nunca aprendi a viver pois continuo repetindo os mesmos erros, sendo que o maior deles, certamente foi o de ter vendido meu avião CZC e isto me levou a uma profunda tristeza, que perdura até hoje, dez anos passados.

Tenho saudades. Tem hora que tenho vontade de dar cabo na vida, imaginem? A vida é o maior patrimônio do ser humano e tem hora que se perde o desejo de viver.

Acho também que alguns de vocês deva ter sentido o mesmo que eu, de pôr um fim nesta vida, tornada ingrata pelos acontecimentos. É principalmente a vocês que vou me dirigir.

Tenho 76 anos e, olhando para trás, tento ver o que fiz de bom, onde mais errei e onde obtive algum sucesso, para descobrir porque que tenho momentos tão felizes e infelizes que me deixam com vontade de acabar com tudo e ir para junto do criador.

Penso que o mundo está evoluindo com tamanha rapidez que você não dá conta de acompanhar, e então você se perde, perde o rumo, e como não possuímos um GPS para nos  orientar, vem o desastre e, como na aviação, se o acidente for grave você não tem recuperação, você se torna um lixo, se o acidente não foi grave, você pode ser recuperado.

Eu não estou sabendo me enquadrar, tem momentos que eu acho que tenho conserto tem momentos que acho que não.

Minha história é esta, talvez ajude alguém:

Já estava com 50 anos quando vim para Tucumã, onde já tinha estado anos atrás e foi paixão à primeira vista! Prometi que um dia iria viver aqui, pois meu encanto pela região, decorria que era o local perfeito para a criação de gado, terras férteis e baratas, índices pluviométricos dos maiores do Brasil e, imaginem, ainda existiam milhares de alqueires classificados como terras devolutas!

É ou não é o sonho dos aventureiros sem recursos? E como meu sonho era me tornar um fazendeiro, sonho este que nunca consegui a realizar, pousei meu avião em Tucumã, pensando em nunca mais retornar à Goiânia.

Arrumei um local para estacionar meu avião, o PT-CZC, tarefa difícil pois naquela época havia muitos aviões na pista, os garimpos estavam no auge, as madeireiras então nem se fale, no auge do corte de mogno, e como a cotação era em dólares, você só via caminhões de madeira vindo das matas, transportando tudo que era produzido pelas serrarias, serrando, dia e noite! Eram milhares de metros cúbicos de mogno saindo para Belém e de lá para o resto do mundo.

A cidade era um formigueiro, com fazendeiros, garimpeiros, pilotos, caminhoneiros, prostitutas, sendo que estas, eram em maior quantidade. Todo mundo se aventurando, procurando um lugar ao sol, muitos solteiros (porque as esposas não queriam enfrentar a dureza do local), como eu.

Na época, começaram a nascer os primeiros Tucumãnhenses e assim a cidade começou a ser formada,  épocas em que se lamentava a falta de energia elétrica durante algumas horas do dia, principalmente à noite, que era um sufoco, pois os grupos geradores não eram suficientes para cidade toda e tinham que aguentar a ação das muriçocas! Não tinham como dormir bem.

No começo foi difícil, já tinha voado muito por este país, mas aqui era diferente, não existia pista de pouso normal, eram simplesmente clareiras, abertas pelos garimpeiros, os quais não culpo pois eles também tinham seus problemas, suas limitações!

Mas o pior era que tinha que se voar com excesso de peso pois, caso contrário, não voava e assim íamos nos virando como podíamos, volta e meia quebrava um avião, ali mesmo eles consertavam e assim eu ia escapando de tantas loucuras para sobreviver.

Se afirmasse que me sentia totalmente feliz com tudo isto, estaria mentindo pois tinha deixado minha esposa e filhos para arriscar a sorte e família, como sabem, é a base de tudo na vida, quem falar o contrário, não deve ser pessoa normal!

Os negócios iam bem, voava o dia todo, se quisesse, pois a necessidade de atender aos madeireiros , fazendeiros, garimpeiros era grande, então, a falta da família, acabou me levando a amenizar minhas carências, procurando o consolo de outra mulher, que foi justamente a coisa mais errada que cometi na vida.

Conheci a Domingas através de uma amiga, quando ela tinha 16 anos e não posso mentir que me apaixonei no mesmo instante que a vi pois era linda, corpo bonito, olhos claros, dotada aquela juventude que contrastava com meus cincoentas anos e, além disto, ela precisava de um suporte financeiro para criar seu filho que estava por volta de dois meses de idade e isto eu tinha condições, de sobra, para dar, pois o CZC, me proporcionava uma boa receita apesar dos sustos que eu levava voando.

Acho que o meu maior erro foi iludir-me, pensando que poderia ficar com ela para sempre, mas como? Nossa diferença de idade era grande, a cada dia que passava ela ia ficando mais bonita, mais esperta, mais inteligente, pois eu lhe dava os meios necessários para isto, com dinheiro, carro, uma boa residência para morar, enfim uma vida de rainha, e eu ficando mais velho, mais feio, menos interessante.

Via a necessidade de dar um basta naquilo, mas não sabia como e nem quando. Sabia o que viria pela frente, e mesmo tendo assistido a um filme, retratando a vida de um médico que trilhou os mesmos caminhos e se deu mal, ia protelando a decisão, cego que estava!

Um dia ela trouxe suas coisas para minha casa e passamos a morar juntos. Ela adorava nossas idas à Goiânia, uma vez por ano fazer o IAM do CZC, ocasião em que ficávamos num dos melhores hotéis da cidade por cerca de um mês. Enquanto eu ia para o aeroporto cuidar do avião, ela ia para a piscina com as crianças, neste tempo já tínhamos a Ana Luiza! À noite íamos passear nos shoppings, como tenho saudades deste tempo!

Com o tempo passando, o Paulinho, filho da Domingas, foi crescendo e confesso que nunca percebi nada em seu comportamento que não fosse normal a uma criança na sua idade, a não ser um dia, quando estávamos pesando uma carga para meu amigo Sebastião Pé de Cobra, e ele, perturbando com as suas brincadeiras, deixou o meu amigo irritado. Eu havia notado que ele vinha observando o Paulinho, quando me chamou de lado e me disse:

·         Comandante, este menino quando crescer vai te dar muito trabalho, tome cuidado!

Aquilo me deixou zangado, afinal como pode uma pessoa prever o futuro de uma criança de cinco anos, através de seu comportamento? Teria ele o dom de visualizar o futuro de uma pessoa?

Peguei o Paulinho e sai dali irritado, com as palavras dele reverberando na minha mente, afinal eu tinha o maior respeito por meu amigo, admirava muito o seu comportamento e a sua inteligência, pois ele havia chegado em Tucumã com poucos recursos e já tinha uma pequena fortuna em fazendas e gado. Era admirado por todos, e também por mim.

A vida foi passando, enfrentando os transtornos que passava como piloto, como uma vez quando os índios Apytereua prenderam o CZC na aldeia e que eu, após meses de negociações, tive que comprá-lo de volta. Quando fui sair do local, durante a decolagem, um garrote assustado deu uma cabeçada no avião, obrigando-me a abortar a decolagem pois o profundor do avião havia quebrado!

Tudo isto era insignificante para mim pois, ao chegar em casa, era recompensado pelo amor da esposa e dos filhos! Eu era um homem feliz!

A vida começou a mudar, quando o Paulinho foi adquirindo mais idade, saindo da infância e entrando na adolescência. O primeiro problema foi quando a pedagoga de escola onde ele estudava chamou-me e disse que ia passá-lo de ano, pelo social.

  • ·         Mas como? respondi, surpreso!

No meu tempo você não passava de ano sem ter tirado boas notas e agora eu estava ouvindo que iriam passar o meu filho pelo social, fiquei sem compreender nada.

  • ·         Mas porque isto?
  • ·         Senhor Nilton, a escola não permite reprovação. E além do mais, seu filho tem um problema.
  • ·         Mas que problema? ele é um menino normal respondi irritado.
  • ·         Não sabemos, só iremos reprova-lo mediante sua autorização e com um exame de um médico psiquiatra.

Acreditem que, transtornado, sentei numa cadeira que estava por perto, ouvindo aquela pessoa me dizer que o Paulinho tinha um problema que o impedia de acompanhar seus colegas na sala de aula! Era a coisa mais absurda para mim, que o criava desde os dois meses de idade e nunca havia percebido nada! Que pai eu era? Um cego?

Como eu queria que o reprovassem, pois não adiantaria nada ele passar de ano sem ter aprendido nada, e também curioso, para saber qual era a anormalidade em ele tinha, peguei o CZC e fomos todos para Goiânia, pois aqui em Tucumã não tinha médico psiquiatra.

Foi mais de uma semana levando o menino todos os dias ao médico, e eu curioso para ver o diagnóstico, pois ao não ser o meu amigo Sebastião, que havia notado alguma coisa estranha no comportamento do Paulinho, ninguém mais.

No dia marcado em que o médico iria dar o diagnóstico, não dormi a noite toda, pensando e acreditando que ele diria que o Paulinho não tinha nada, que era um menino normal, um pouco mais levado, mas qual criança não o é?

Á frente do médico, ele falou:

  • ·         Seu filho tem um problema.  Ele tem um retardo mental!
  •            Peço que me explique isto, Doutor.
  • ·         Acontece que ele tem dificuldades em fazer coisas que uma criança da mesma idade não tem, como estudar, de se relacionar, de entender o que é certo e o errado, e com isto, ele e vocês terão muitos problemas pela frente, terão que lhe dar uma atenção maior, de preferência com acompanhamento médico.
  • ·         Mas fale-me, Doutor. Qual é a profundidade desse retardo?
  • ·         Para dizer com certeza, eu teria que ter mais tempo com ele para aplicar uns testes, ele teria que ficar uma temporada por aqui, para avalia-lo melhor. Aí eu teria como responder sua pergunta.

Voltamos para o hotel sem saber o que fazer, ficar em Goiânia e esperar o resultado era impraticável pois tinha que trabalhar, mas o pior mesmo, é que não tínhamos ninguém com quem deixar o Paulinho, e assim retornamos à Tucumã, cientes de seu problema, e preparados para tomar maior cuidado com ele. Além disto, trouxemos o laudo médico para ser entregue na escola, para que ele voltasse a cursar o mesmo ano.

Meus amigos, foi aí então, que começou o nosso tormento, pois a cada dia que passava mais aumentavam os problemas, que iam desde batida de carro, moto, sumiço de dinheiro e objetos de pequeno valor!

Suportamos tudo, até que ele se enveredou pelo caminho das drogas, aí sim foi o início da fase mais difícil. Por duas vezes tive que contê-lo na violência, trocando socos ao chão, e em outra ocasião, ele veio com um espeto de carne para furar um amigo, sendo muito difícil dominá-lo.

Quando me lembro de tudo isto, fico imaginando onde que fui encontrar tanta força? Afinal eu era um velho de mais de setenta anos e ele um jovem de dezesseis. Com tudo isto eu nunca fui numa delegacia para denunciá-lo. Não tinha coragem, afinal eu o tinha como filho, e tem um ditado que diz que “pai é quem cria”, e isto é verdade.

Num assalto realizado em Tucumã ele estava junto, foi preso, aí sim a situação se complicou pois tivemos que arrumar advogado e não preciso dizer como que é caro um advogado, e também as dificuldades de se conseguir a atenção das autoridades policiais, para que ele não fosse transferido para a Penitenciara de Redenção, pois aí sim, as despesas iriam aumentar, complicando ainda mais, o estado dele.

E como o advogado havia alegado que ele tinha um retardo mental, o Juiz determinou que fosse levado para a Penitenciara de Belém, onde havia uma clínica para comprovar o retardo mental alegado, dentro do prazo de 60 dias. Não preciso dizer que acompanhei o Paulinho, dentro da viatura policial, durante sua transferência para Belém, com receio que lhe acontecesse algo.

Chegamos em Belém numa sexta feira e fomos direto para a “clínica”, que na verdade era uma cela comum, onde ele ficaria preso como qualquer bandido, um local tão decadente que não tinha nem colchão para ele dormir.

A Penitenciaria fica à beira de uma rodovia distante da cidade, onde tinha um posto de gasolina e ao lado um motel decadente, mais sujo do que um chiqueiro. Foi onde me hospedei até encontrar o Diretor da Penitenciária, na segunda feira, para saber quando poderia levar o Paulinho para casa.

Sua resposta, no mínimo, deixou-me bastante preocupado:

  • ·         Você gosta de seu filho?
  • ·         Sim, respondi, amistosamente.
  • ·         Então, tire ele daqui o mais rápido possível, pois o prazo dado pelo Juiz, para comprovação do retardo mental do Paulinho, é uma piada! Parece que ele não conhece o andamento das coisas por aqui! Nem daqui a um ano ele sai daqui!

Hoje fico pensando como suportei tudo aquilo, mas vamos em frente. Não pensem que estou chegando ao final da história. Tenham mais um pouco de paciência, pois ainda tem muita coisa pela frente.

Voltando para Ourilândia, fui tratar de fazer o que o Diretor da Penitenciaria aconselhou: tirar o Paulinho de lá o mais rápido possível. Mas como? Fui implorar à Juíza de Tucumã, relatando os fatos na Penitenciaria de Belém, e como ela também era natural desta capital, sabia que era verdade o que lhe contei!

Falou mais alto o espírito materno, quando ela viu à sua frente, um pai de filho adotivo, chorar pela prisão dele, temendo por sua segurança em local tão desconectado do ideal para a circunstância. Decretou a guarda do Paulinho, tendo-me como tutor e decretou prisão domiciliar para ele. Na mesma semana voltei à Belém, tirei o Paulinho da prisão e levei-o, para casa.

Passados uns dias de paz e tranquilidade dentro de casa, o tormento começou de novo, pois ele não entendia que prisão domiciliar tem regras, como não sair à noite, não frequentar bares e botecos, não fumar ou cheirar drogas. E não adiantavam nossas orientações, minha e da mãe dele. Voltou a fazer tudo aquilo que queria, até que, numa noite que ele queria sair e a mãe não queria deixar, acordei com aquele banzeiro que os dois estavam fazendo e sonolento gritei:

  • ·         Domingas deixa este menino sair, pelo amor de Deus!

Meus amigos, para que eu fui me intrometer? Assustei vendo a Domingas entrando no quarto desesperada e gritando:

  • ·        Me ajude aqui, vamos fechar a porta! Ela tinha visto ele sair do quarto com uma grande faca na mão, em direção ao nosso quarto e correu para me ajudar, porém não conseguíamos manter a porta fechada, visto que a fechadura estava quebrada! Parecia que havia um touro tentando derrubar a porta!
  • ·         Para o banheiro, gritei! E para ali corremos, onde consegui trancar a porta, quando vi que, drogado, o menino teria coragem para matar seu pai, mas como não conseguiu nos pegar, promoveu grande quebradeira nos móveis e utensílios da residência, inclusive um grande espelho da sala, onde as mulheres conferiam seus figurinos e maquiagem! Dirigindo-se para o lado de fora da casa, Paulinho passou pela cozinha e deu 8 facadas na geladeira, sendo que na última delas a faca se quebrou, ferindo sua mão!

Depois de um silêncio aterrorizante, imaginando que ele já havia saído para as ruas, resolvi sair do banheiro, pensando, vejam vocês, que se tivesse uma arma às mãos, eu o teria matado! Quando abri a porta do banheiro, deparei-me com o Paulinho transtornado, com um cabo de vassoura às mãos e uma expressão de terror nos olhos, pronto para me matar!

Consegui fechar novamente a porta, que ele, com chutes e pauladas foi quebrando. Naquele momento, tive a certeza que não sairia vivo dali, mas parece que Deus escutou minhas preces e, de repente, Paulinho, não conseguindo derrubar a porta do banheiro para me pegar, pegou uma grande pedra e jogou sobre minha camionete.  Minha filha Ana Luiza, assistindo a tudo aquilo, gritando e desesperada, correu para o meu lado e saímos para o quintal, escondendo-nos num matagal que ali existia.

Nestes breves momentos de paz, consegui ligar para o meu amigo Marcão, hoteleiro aqui em Ourilândia do Norte,  que veio imediatamente, nos levando para seu hotel, onde ficamos por algum tempo, até a desocupação de uma casa que eu tinha Condomínio Ipês, onde eu e  minha filha moramos até hoje. Ficou uma dívida de gratidão para com o Marcão, pois ele nem cogitou em receber as diárias do tempo que morei em seu hotel.

Imaginem vocês como ficou a minha cabeça? Aqui no estado do Pará, qualquer desentendimento é motivo para se matar alguém, ainda mais uma situação destas! Mas totalmente fora de cogitações, de fazer algo parecido, com uma pessoa que eu havia criado e tinha consciência de suas limitações. Muito difícil de se resistir a tomar atitude tão extremada.

Fazendo um breve e bom julgamento de minha pessoa, talvez estejam pensando ao contrário, que fui um frouxo, que deveria ter matado o moleque ou pelo menos tê-lo entregue à Polícia, já que ele tinha contas a certar com a sociedade! Acreditem, por duas vezes o Marcão levou-me ao encontro do Delegado da cidade, quando me recusei de entregar o Paulinho. Até hoje não sei se agi de maneira correta.

Por aqueles dias, meu filho João Nilton, que sempre foi meio esquentadinho, ficou sabendo do ocorrido e, incontinenti, veio para Ourilândia disposto a matar o Paulinho! Já que eu não tinha feito, ele iria fazer. Meu Deus, deu-me o maior trabalho em acalmá-lo e tirar de sua cabeça, o terrível pensamento.

Mas, como ele veio disposto a passar uns dias comigo, foi se acalmando, graças a Deus, até que um dia, procurou-me e disse:

  • ·         Pai, o senhor não tem apenas um problema, o senhor tem dois!
  • ·         Como assim, dois problemas?
  • ·         A sua esposa uai, a Domingas.
  • ·         Um momento João Nilton, agora você quer jogar a Domingas contra mim?
  • ·         Sim, ela anda traindo o senhor! Amigos seus vieram me dizer.

Não preciso dizer que aquilo caiu como uma bomba! A dizer que homens não desconfiem de suas esposas, é uma grande mentira, mas a nossa diferença de idade era muito grande, sempre temi que isto pudesse acontecer.

Certa ocasião eu até me preparei para dar um fim em nossa união mas, quando ela percebeu,  pegou seu filho, foi para minha casa e não saiu mais. Em outra ocasião, foi quando ela queria registrar o Paulinho em cartório, em meu nome e não concordei. Disse-lhe que eu não queria filhos, bastava o dela.

Nesta altura, eu já pensava em me separar pois tinha consciência que a diferença de idade um dia iria falar mais alto, mas aí então vem o destino e nos presenteou com a Ana Luiza, nossa filha linda que agradecemos a Deus por ter vindo com saúde. E agora? Como separar, nestas circunstâncias? Com o passar dos tempos, percebi que nunca daria conta de formalizar nossa separação, situação que perdurou até agora, justamente num dos piores momentos da minha vida!

Com a facilidade de acesso às redes sociais pelo telefone celular, oportunidade em que muita gente se encrencou mediante a publicação de mensagens particulares e, no meu caso, e de minha esposa, aconteceu que ela esqueceu o telefone em uma mesa, oportunidade em que descobri algumas mensagens recebidas, de conteúdo altamente suspeito. Perguntei então:

  • ·         Quem é este cara Domingas? E ela, vendo que não podia mais esconder, respondeu:
  • ·         Meu namorado!

Foi aí  que  percebi não  haver  mais  jeito!  Meu casamento tinha acabado de fato! Saí daquela casa e nunca mais voltei!

Não preciso me alongar neste tema de separação porque hoje está tão comum, e todos que já passaram por isto, sabem muito bem do trauma que sobra para os casais envolvidos e, principalmente, para os filhos.

No começo achei que iria superar facilmente, mas agora, vejo que não. Umas das coisas que poderia me ajudar seria o avião, o CZC, meu grande parceiro, que compartilhou comigo muitos anos e me ajudou a sair de muitas enroscada. Aposto que nestes momentos ele estaria me ajudando a sair desta depressão que sinto, que não sei onde vai me levar. Peço a Deus que eu não venha a fazer nenhuma besteira! Rezo todas as noites para não cair em tentação.

Assim estava, quando parece que Deus ouviu minhas preces, tirando a ideia de dar um fim na vida, graças a um fato ocorrido no passado.

O celular toca e não queria atender, por estar dirigindo. Mas alguma coisa me dizia, que esta ligação era importante. Acabei atendendo:

  • ·         Alô, quem fala?
  • ·         É a Raquel.
  • ·         Que Raquel? Confesso que não sabia quem que estava falando.
  • ·         Raquel de onde?
  • ·      De Xinguara! Respondeu uma voz inconfundível, que, com uma gargalhada, nem precisou identificar-se. Eu já sabia quem era.

A Raquel foi uma garota que conheci quando ia a Xinguara, toda semana, buscar flores para a floricultura que havia montado para a Domingas. Ela era jovem, cheia de vida, linda e muito extrovertida, situação que encantava qualquer homem que dela se aproximasse.

  • ·         O que queres Raquel?
  • ·         Quero que me ajude, estou grávida, sem trabalho e não tenho como sobreviver sozinha com a criança. Aí, pensei em você.

Meu amigo, se existe alguém com coração mais mole que o meu, não acredito, ainda mais recebendo um pedido de ajuda, vindo de uma pessoa como a Raquel.  Não tive outra alternativa senão ajuda-la.

  • ·         Raquel, estou indo para Xinguara. Passe-me seu endereço que vou procurá-la.

Mas meu espanto foi grande em ver o local em que ela estava morando, e a situação terrível que passava. Penalizado, comecei ajudá-la naquele mesmo momento, com dinheiro para que fosse providenciando o enxoval do bebê que estava para nascer. Nunca esquecerei da minha parente Mayra, que acabou doando para a Raquel, as roupinhas da sua filha, nascida a um ano atrás.

O tempo foi passando, eu morando em Ourilândia e a Raquel em Xinguara, até que a criança nasceu, uma linda menina que recebeu o nome de Rhayana Kelly e fui escolhido para padrinho! Não podia ser outro, já que tinha assumindo a sobrevivência das duas, não é?

Esta criança acabou dando à Raquel, a felicidade que estava faltando pois ela havia separado do pai da criança e ele inconformado, não a deixava em paz, ameaçava de todas as maneira possíveis, até que um dia, chegando um dia que ela pegou a criança e veio parar em Ourilândia, na minha casa, onde, infelizmente e depois de muita pressão, ficou de um dia para o outro, retornando a Xinguara.

A vida dela continuou com muita dificuldade pois seu ex-marido raramente provia o sustento da criança e a continuava ameaçando, até que um dia, ela criou coragem e procurando a justiça, conseguindo uma medida judicial para que ele não mais se aproximasse, o que acabou não ocorrendo, transformando a vida da Raquel num verdadeiro inferno.

Com a evolução de nosso relacionamento, surgiu um novo amor e com isto, já não era somente com a Ana Luiza que eu tinha que me preocupar, como também com a Raquel e a sua filhinha, afinal, não podia abandoná-las jamais.

Com isto, aqueles pensamentos ruins foram ficando para trás, voltei ao normal, e hoje estou enfrentando a vida com mais alegria, sentindo-me preparado para a luta do dia a dia. 

E como continuo a viver e os personagens desta história também, reservo-me o direito de voltar, daqui a alguns anos e contar o que realmente a vida reservou para mim e para estas pessoas que fizeram e fazem parte da minha vida.

Certamente estão curiosos de saber e, claro, não poderia terminar esta história sem revelar qual seria a idade da Raquel quando a conheci, não é? Vou responder com muito constrangimento, pois quando a conheci ela tinha apenas 16 anos hoje 21 anos e não me perguntem se a história não está se repetindo, ok? Meu Deus!     

Como disse no princípio desta história, não desanimem, aqueles que estejam passando pelo mesmo drama que vivi, pois a própria vida, lhe dará uma saída, ainda que sinta que a causa não tem mais solução.

De repente, sem grandes percepções,  a  vida volta  ao   normal, só deixando-lhes arrependimentos pelos pensamentos tenebrosos que tiveram, e vocês verão que eram absolutamente inúteis pois a vida é maravilhosa, apenas a morte pode pará-la e afinal não somos apenas nós, passando por momentos tão difíceis.

Se vocês tiverem algum amigo passando por esta turbulência, não os abandone! Fiquem ao seu lado, com uma palavra de consolo e diga que pode surgir uma “Raquel” para trazê-lo de volta à vida. Seu amigo irá agradecê-lo pelo resto da sua vida.

Que Deus nos guie para o bom caminho e que a paz reine entre nós para sempre.