GERAL

A história de sobreviventes do vôo 254 da Varig!!!


Bebê que escapou de acidente aéreo na Amazônia há 30 anos pensou em ser comissária de bordo. Ariadne da Silva Ramos ouviu a mãe contar durante anos a história do Varig 254, que fez pouso forçado na mata densa em 1989. Cachorro da família também sobreviveu.

Atualmente morando em Imperatriz (MA), Ariadne cresceu ouvindo os relatos do acidente que sobreviveu – o avião perdido sobre a floresta, o pouso forçado na mata densa, a espera na selva e o resgate. Mesmo assim, cresceu sem nenhum trauma. Até pensou em seguir a carreira de comissária de bordo, mas decidiu, no fim, seguir carreira na área de saúde. “Eu gosto de avião, não tenho trauma nenhum. Quando eu era criança, eu via as aeromoças e achava todas bonitas e elegantes”, conta Ariadne.

30 anos depois do Varig 254, Regina Célia e Ariadne Ramos vivem em Imperatriz (MA)

Realmente, Ariadne não tem por que temer viagens de avião. O desastre do Varig 254 não ocorreu por falha técnica no Boeing 737-200 da extinta companhia, mas porque os pilotos erraram ao marcar a rota no sistema de navegação da aeronave – algo quase impossível de acontecer com os equipamentos atuais, com GPS – induzidos por uma recente mudança de procedimento na empresa.

Com o rumo errado, o voo – que deveria seguir de Marabá Belém, ambas no Pará – foi parar no Mato Grosso, e, sem combustível, precisou pousar no meio da floresta (leia mais sobre o acidente no fim da reportagem).

Mesmo sem se lembrar do que aconteceu naquele 3 de setembro de 1989, a jovem se tornou conhecida pelos entusiastas da aviação. Todos querem saber mais como Ariadne, ainda um bebê, sobreviveu sem um arranhão ao desastre do Varig 254.Militares resgatam Ariadne Ramos e a mãe, Regina Célia, do local da queda do Varig 254, em São José do Xingu (MT) — Foto: Regina Célia da Silva/Arquivo pessoal

Militares resgatam Ariadne Ramos e a mãe, Regina Célia, do local da queda do Varig 254, em São José do Xingu (MT)

Se Ariadne era muito pequena para se lembrar do Varig 254, a mãe dela, Regina Célia da Silva, não se esquece dos detalhes. As duas estavam de mudança, às pressas, de Imperatriz para Macapá (AP), onde morava o pai da bebê, que trabalhava com garimpo. Junto, estava Afonso, um irmão de Regina.

Era comum em 1989 que um passageiro fizesse diversas escalas ou conexões até chegar ao destino. O voo entre Marabá e Belém – justamente o Varig 254 – era só uma das pernas do périplo da família, que mal teve tempo de se preparar.

Regina, que hoje trabalha como cabeleireira, relembra que estava em uma praia à margem do rio Tocantins, em Imperatriz, quando o irmão avisou da viagem. Ela correu para buscar as cinco malas já prontas e o cãozinho Let – um pinscher caramelo que também iria viajar.

Era para ser um voo curto, de menos de uma hora. Quando a tripulação anunciou o pouso, Afonso estranhou não ter visto as luzes de Belém pelas janelas do Boeing. “Aqui não é Belém, não”, disse, segundo Regina.

“O avião ficou rodando, rodando, e nós só podíamos esperar.”

Mais de duas horas depois, Regina e o irmão souberam que o avião não mais pousaria em Belém. “A comissária admitiu que a gente estava perdido e que os pilotos procuravam algum aeroporto para pousar”, conta.

“Depois, a comissária pediu para a gente esvaziar os bolsos, tirar sandália, botar agasalho e proteger o bebê do impacto porque a gente ia pousar na mata.”

Regina segurou Ariadne bem rente ao corpo e se preparou para o impacto. Com a forte desaceleração e o choque com as árvores, as poltronas do Boeing 737-200 se desprenderam do piso e foram lançadas com violência para a parte da frente da aeronave.

Imagem de arquivo do acidente com o avião da Varig em Marabá, em 1989 — Foto: TV Globo/Reprodução

Imagem de arquivo do acidente com o avião da Varig em Marabá, em 1989

A família, porém, teve sorte: a segunda fileira, onde estavam sentados, não foi atingida pelo amontoado de cadeiras, ferragens e passageiros arremessados com o impacto. Regina sofreu apenas um hematoma, e Afonso teve um corte leve na testa. Ariadne saiu ilesa – e continuou dormindo.

“Eu estava calminha, calminha. Eu tinha que cuidar da minha filha, não é mesmo?”, relembra Regina.

Mesmo diante do cenário de destruição e tristeza – os corpos das vítimas permaneceram no avião até o resgate –, a família não se desestabilizou. Regina ajudou a cozinhar os feijões levados nas bagagens de um dos passageiros, enquanto cuidava de Ariadne.

Demorou 44 horas até que os passageiros fossem encontrados no meio da mata. O irmão de Regina, inclusive, participou do grupo que entrou por dentro da floresta até que encontrassem uma fazenda no município de São José do Xingu (MT). De lá, esses sobreviventes conseguiram entrar em contato com as Forças Armadas, que deslocaram três aeronaves ao acampamento.

Um inquérito da Aeronáutica concluiu que o comandante, Cézar Augusto Pádula Garcez, e o copiloto, Nilson de Souza Zille, inseriram rota no sistema de navegação da aeronave diferente da designada para o trecho Marabá-Belém: 270 em vez de 027.

A Varig havia mudado a maneira como os pilotos inseriam os dados de navegação – em vez dos três dígitos, o novo sistema impunha a necessidade de incluir quatro dígitos. A norma foi revogada pela companhia depois do acidente.

Com o rumo errado, o Boeing se distanciou – e muito – da rota original. Os pilotos chegaram a se aproximar para o pouso pensando se tratar de Belém, mas o avião estava bem distante. Assim, o avião ficou sem combustível, o que obrigou o pouso forçado no meio da floresta, no município de São José do Xingu (MT) – cerca de 1,1 mil quilômetros distante da capital paraense.

Zille e Garcez foram condenados a quatro anos de prisão porque, no entendimento da Justiça, eles agiram com negligência. A pena foi convertida em multa e punição alternativa.